Como acompanhar entrega de serviços públicos na ponta? Entrevista com Carla Fátima Pereira da Silva, do OS Porto Alegre

Conheça as dificuldades e as conquistas de quem trabalha para garantir que merenda e remédios cheguem a quem precisa a partir do trabalho do OSPOA, parceiro da Transparência Brasil no monitoramento de merenda.

A coordenadora executiva do Observatório Social do Brasil de Porto Alegre  —OSBPOA (RS) —, Carla Fátima Pereira da Silva, conta o resultado da articulação com governo e conselho de alimentação escolar, e a falta de transparência para conseguir acompanhar a entrega da merenda. 

“Indignar-se é preciso, atitude é fundamental”. O lema do OSB está presente na memória e na trajetória de Carla Fátima Pereira da Silva, coordenadora executiva da unidade de Porto Alegre da organização. 

Dedicada ao controle social desde 2015, quando começou a atuar pelo OSB nas cidades de Gravataí e Glorinha (RS), Carla considera que esta forma de mobilização ainda é pouco compreendida no país, mas que pode fazer com que os cidadãos superem a condição de espectadores das falhas e dificuldades da gestão pública, à qual muitas vezes estão submetidos.

Mas como ter efetividade em ações de controle social?

É por meio das ações realizadas pelo OSBPOA que Carla põe em prática a cidadania a que se refere. São ações de controle social, educação fiscal, acompanhamento das contas públicas, estímulo à participação de micro e pequenas empresas nos processos de compras públicas, qualificando o preço e os produtos contratados pelo poder público.

Em busca de resultados satisfatórios, o OS de Porto Alegre emprega um trabalho técnico, utilizando “indicadores de gestão, de qualidade e de transparência, analisando planos de governos e leis orçamentárias”, explica a coordenadora. 

Com estas ferramentas, Carla e os demais integrantes da organização monitoram desde a publicação de editais de licitação até a entrega dos produtos ou serviços contratados, agindo preventivamente no controle social dos gastos públicos.

 

Atuação conjunta com órgãos de controle

A atuação criteriosa respalda a participação do OSBPOA na Rede de Controle da Gestão Pública do Rio Grande do Sul. “Em conjunto com órgãos de controle e de gestão do poder público estadual, a rede realiza monitoramentos relacionados à merenda escolar e medicamentos, fiscalizamos os fundos para eleições, e acompanhamos temas como segurança pública, políticas para mulheres, educação fiscal, entre outras”, enumera Carla.

Um dos principais projetos da rede é o diagnóstico do ciclo da merenda, “no qual monitoramos os recursos que saem do Ministério da Educação para os órgãos públicos, o momento em que eles chegam nas escolas como produtos, e são servidos como refeição para os alunos, considerando o envolvimento dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE) e os Conselhos Escolares nesse processo”, conforme aponta a coordenadora.

Esta é a fase inicial de um processo articulado entre os três poderes e as instâncias de controle social. “Nós temos a ferramenta, que é o diagnóstico. A partir dele, nós elaboramos um plano de ação, que envolve todos os atores da rede, e encaminhamos para que o gestor e as escolas tenham conhecimento das falhas apontadas”, detalha Carla. Segundo ela, apesar de reconhecer eventuais dificuldades para os gestores, como limitação de pessoal e escassez de recursos, a prioridade para o OS de Porto Alegre é cessar práticas irregulares e qualificar o investimento público.

 

Relação com os órgãos do poder público

Carla entende que a forma de interlocução que a organização se propõe a manter com o poder público pode ser determinante para o sucesso de sua relação com os órgãos públicos. “Como sempre nos apresentamos abertos ao diálogo, e fazemos questão de mostrar que o nosso papel não é o de fazer a crítica pela crítica, mas o de construir uma melhoria de forma conjunta, eles nos respeitam”, descreve.

Esse respeito, por sua vez, decorre do Carla atribui ao reconhecimento do método de trabalho do OSBPOA, baseado na integridade, sem se deixar levar por julgamentos ou por discursos demagógicos. “O julgamento cabe ao Judiciário. Nosso objetivo é melhorar os processos. Se o servidor não entender que precisa qualificar o investimento dos recursos públicos, ele não está entendendo que está perdendo qualidade no resultado de seu trabalho”.

No entanto, ainda há dificuldades a serem superadas. Uma delas é a morosidade no acesso a informações solicitadas às prefeituras. “Para fazer o monitoramento das merendas, é preciso verificar os processos administrativos, checar se o que foi licitado é realmente o que foi entregue, e ver se o que foi pago na nota fiscal é exatamente o que foi entregue lá na ponta. Como essas informações geralmente não estão disponíveis de forma ativa, é preciso solicitar o processo administrativo pela Lei de Acesso a Informação”, descreve Carla. 

De acordo com a coordenadora, ainda que seja simples conferir os preços dos itens contratados, checar as entregas é difícil, pois é necessário rastrear nas escolas se o que estava no edital foi entregue. “Às vezes o caminhão com os produtos chega de manhã, às vezes chega de tarde, e não temos como dar plantão a frente da escola”, critica Carla. Para contornar o problema, os integrantes do observatório trabalham com vistorias por amostragem e por visitas sem aviso prévio.

 

Mobilização dos Conselhos Municipais

Parceiros importantes nos processos de monitoramento e fiscalização, a relação entre integrantes dos Conselhos de Alimentação Escolar e os Conselhos Escolares e do OS de  Porto Alegre foi se construindo gradualmente. Sem conhecimento sobre a atuação dos Observatórios, alguns conselheiros chegaram a criticar sua presença, afirma Carla.  

No entanto, a coordenadora conta que, com o tempo “os conselheiros conheceram nosso interesse em colaborar e fortalecer o controle social. Hoje, participamos das reuniões dos conselhos nas escolas, somos convidados para visitas por e-mail ou whatsapp para acompanhar entregas de produtos e há a percepção de que, junto com o OSBPOA, eles estão mais fortes”. 

Carla avalia que a atuação dos conselhos, especificamente dos CAE, é bastante sensível, pois “precisam também avaliar o que é entregue, já que se houver evidências de uma compra irregular, o conselho também pode ser responsabilizado”. Para auxiliá-los nessa função, Carla e o OS de Porto Alegre participaram, por vídeos e presencialmente, de uma capacitação promovida pela Rede de Controle da Gestão Pública do Rio Grande do Sul para integrantes do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) de 23 escolas da cidade, em 2018.

Carla e os demais voluntários que atuam no Observatório Social de Porto Alegre estão somando esforços à Transparência Brasil no projeto de monitoramento da qualidade das merendas escolares. Além do chatbot Rango, que você já conhece, uma outra frente do projeto está trabalhando com bases de dados públicas sobre os processos de compra e contratação das merendas, e Carla tem contribuído com sua expertise para trabalharmos com essas informações.