[Coluna 13] Dados pessoais, compartilhamento de dados e privacidade

O governo editou o decreto nº 10.046/2019, que dispõe sobre o compartilhamento de dados no Executivo federal. Conforme apontou o Vortex, o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou o decreto anterior (n° 8.789/2016) insuficiente. Portanto, trata-se de uma resposta do governo à necessidade de aperfeiçoar a regulamentação para compartilhamento de dados. No entanto, muitas críticas foram feitas à falta de participação da sociedade civil na governança dos dados, bem como ao risco de vazamento de informações pessoais ou mau uso desses dados pelo governo para monitorar e controlar a sociedade civil.

Como o próprio TCU apontou na auditoria mencionada acima, as bases de dados mais importantes para compartilhamento de dados são as bases da Receita Federal do Brasil (RFB) sobre CPF e CNPJ, pois servem de identificadores centrais para quase todas as outras bases de dados.

Assim, não há outro caminho para integração das bases de dados que não passem pela utilização desses dois dados cadastrais. Os temores de setores da sociedade civil, de que essa integração permitirá ao governo controlá-la mais eficazmente, é o outro lado da moeda do fato de que ele também será muito mais eficiente na gestão de políticas públicas. Ver post completo “[Coluna 13] Dados pessoais, compartilhamento de dados e privacidade”

[Coluna 12] Como a existência do Senado nos ajudou a impedir manobra da Câmara em favor da improbidade partidária

Em 21 de novembro de 2018, deputados apresentaram o Projeto de Lei 11.021, que, como dizia a ementa no site da Câmara dos Deputados, “Dispõe sobre a remuneração recebida por funcionário de partido político com recursos do fundo partidário e dá outras providências.” Um projeto relativamente inócuo.

Em 25 de junho deste ano, contudo, PP, MDB, PTB, PT, PSL, PL, PSD, PRB, PSDB, PDT, DEM e PROS apresentaram requerimento de urgência, o que é estranho para uma matéria tão inócua. Com a pauta cheia e a proximidade do recesso parlamentar, a matéria acabou não apreciada até julho. Na volta do recesso, os líderes partidários conseguiram aprovar inversão de pauta e incluir a matéria para votação em 03 de setembro. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) solicitou a retirada do projeto de pauta, sem sucesso (296 votos contra e 71 favoráveis).

Como o projeto tramitava em regime de urgência, o rito de votação foi diferenciado. No regime de urgência, o parecer que deveria acontecer na comissão ocorre em plenário, por um congressista designado como relator. Assim, toda a tramitação de um PL (discussão em comissões, realização de audiências públicas, votação do relatório, para só então seguir para plenário) é sumarizada e pode acontecer em uma única sessão legislativa.  Ver post completo “[Coluna 12] Como a existência do Senado nos ajudou a impedir manobra da Câmara em favor da improbidade partidária”

[Coluna 11] Como resolver os problemas das mais de 14 mil obras paralisadas?

Na coluna anterior, discuti as causas de tantas obras paralisadas. Em audiência pública na Câmara dos Deputados em 28 de agosto, que discutiu o acórdão 1079/2019 do TCU sobre obras paralisadas, procurei me concentrar em apresentar soluções para este problema. O que segue é uma versão editada da minha fala na Câmara dos Deputados.

O princípio orientador destas propostas se fundamenta em uma nova concepção de como fazer política pública no Brasil. São necessárias muita experimentação e avaliação de resultados para que possamos aprender quais intervenções funcionam, quais possuem maior impacto e quais têm melhor custo-benefício. Não se pretende ter todas as respostas para a questão da paralisação de obras públicas, mas oferecer um plano de hipóteses que podem ser testadas e avaliadas. Decerto, ajustes serão necessários com o passar do tempo.

Propostas

1) Os órgãos de controle – especialmente os Tribunais de Contas estaduais – não responsabilizam adequadamente os gestores municipais. Para corrigir a falha, propomos:

1.1) Promulgar emenda à Constituição modificando o objetivo dos Tribunais de Contas, com ênfase na avaliação de políticas públicas, em vez do controle de legalidade.

1.2) Alterar a Lei de Acesso a Informação, para que determine explicitamente que o trabalho dos auditores seja público, e, excepcionalmente, protegido pelo sigilo.

1.3) Regulamentar com critérios objetivos o que significa reputação ilibada, idoneidade moral e notório saber, no contexto da nomeação de conselheiros e ministros dos Tribunais de Contas, com regras rigorosas para nomeação, tomando como exemplos a da Lei das Estatais e a Lei da Ficha Limpa. Ver post completo “[Coluna 11] Como resolver os problemas das mais de 14 mil obras paralisadas?”

[Coluna 10] Obras inacabadas no Brasil: um problema estrutural

Nesta quarta-feira, 28 de agosto de 2019, estive presente em audiência pública na Comissão Externa de Obras Públicas Inacabadas da Câmara dos Deputados para debater os resultados do acórdão nº 1079/2019 do TCU. Foram discutidas causas e soluções para o problema das obras paralisadas no Brasil. Na coluna de hoje abordo essas causas, e na próxima apresentarei as propostas da Transparência Brasil para resolver o problema.

O acórdão do TCU traz dados alarmantes e recomendações fundamentais para enfrentar a situação das obras públicas paralisadas e inacabadas no país. O Tribunal analisou mais de 38 mil obras com recursos federais, e observou que pelo menos 37% se encontravam paralisadas ou abandonadas, com investimento total previsto de R$ 144 bilhões.

O acórdão concentrou-se em focar nas principais causas para os problemas nas obras do PAC, devido à ausência de dados mais sistemáticos para as demais obras. As causas apontadas incluem projeto básico deficiente, insuficiência de recursos de contrapartida e dificuldades dos entes subnacionais em gerir os recursos recebidos. Não surpreendentemente, são falhas parecidas com as que encontramos no programa Proinfância, programa de financiamento de infraestrutura escolar.

Quais as causas raízes para este problema?

São incentivos institucionais errados combinados com desenvolvimento econômico e social desigual, que geram um equilíbrio perverso em que é racional do ponto de vista individual adotar um comportamento que gera esses problemas todos nas obras. Ver post completo “[Coluna 10] Obras inacabadas no Brasil: um problema estrutural”

[Coluna 9] Fundo eleitoral: não é possível guardar o pudim e comê-lo ao mesmo tempo

Até o fim de agosto o Congresso deve votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2020, que delimita o que pode entrar na Lei Orçamentária Anual. Na LDO consta também a proposta de autorizar que o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como fundo eleitoral, passe de R$ 1,7 bilhão para cerca de R$ 3,7 bilhões.

A cobertura da imprensa sobre a proposta tem ido pelo caminho fácil de criticar a proposta (como se pode ver aqui, aqui, aqui e aqui). Eu mesmo já critiquei a proposta em coluna anterior, argumentando que não era preciso aumentar o volume do fundo, mas sim fortalecer os controles.

No entanto, o saldo final das análises e cobertura da imprensa é desqualificar a política e o financiamento público de campanha, com um tom moralista. Campanhas contra o fundo em receitas sociais com este tom foram lançadas. Ainda que haja motivos para insatisfação, em um contexto de pouca confiança nos representantes públicos, essa concepção da política não é uma abordagem produtiva para pensar essas questões.

O que devemos pensar é o que queremos das eleições, e em seguida avaliar qual o melhor desenho em termos de financiamento de campanha.

No governo representativo, a democracia funciona quando os eleitores votam livremente e há competição eleitoral entre políticos/partidos pelos cargos em disputa. Quanto mais competição, melhor tende a ser o resultado eleitoral.
Ver post completo “[Coluna 9] Fundo eleitoral: não é possível guardar o pudim e comê-lo ao mesmo tempo”

[Coluna 8] Como aperfeiçoar os Tribunais de Contas e evitar novas crises fiscais nos estados brasileiros

Quem acompanha o noticiário sabe que vários estados brasileiros encontram-se em grave crise econômica. Dificuldade para pagar as contas, atrasos salariais e descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) são alguns dos problemas desses estados. Uma das razões para tal descalabro é, por óbvio, as falhas do sistema de controle em coibir corrupção e ineficiência governamental.

Não por outro motivo, tem havido críticas pela baixa eficácia dos Tribunais de Contas estaduais em evitar a crise fiscal dos estados. Dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) [1] indicavam que, em 2018, treze estados estavam com notas insuficientes – ou seja, não poderiam contrair empréstimos com a União por baixa capacidade de pagamento – e Minas Gerais não tinha sequer disponibilizado todos os dados para serem classificados. Não há notícia, porém, de que os TCEs tenham reprovado as contas destes governos estaduais.

Como a própria Transparência Brasil já mostrou, os Tribunais de Contas sofrem vários problemas. Muitos conselheiros são indicados em desrespeito à lei – não cumprem os requisitos de reputação ilibada e idoneidade ou saber notório etc. Custam muito aos cofres públicos – em alguns casos chegando a custar mais de 80% do gasto com as Assembleias Legislativas estaduais – e entregam pouco em termos de controle. Tudo isso bem documentado em dois relatórios nossos, o último datado de 2016Ver post completo “[Coluna 8] Como aperfeiçoar os Tribunais de Contas e evitar novas crises fiscais nos estados brasileiros”

[Coluna 7] A importância do controle social no combate à corrupção – o caso do Tá de Pé

A Transparência Brasil tem como missão promover a transparência e o controle social do poder público, contribuindo para a integridade e o aperfeiçoamento das instituições, das políticas públicas e do processo democrático. Nossa teoria da mudança propõe que, com mais transparência, o controle social será mais efetivo e, como resultado, teremos instituições e políticas públicas mais íntegras e efetivas. Estes são elementos essenciais para alcançarmos uma democracia mais robusta.

Nós acreditamos também que esta teoria da mudança deve ser avaliada à luz de evidências rigorosas para que possamos ajustá-la. Por essa razão, é prática comum realizarmos avaliação de impacto de nossos projetos. A mais recente delas, feita por um consultor externo, tratou do aplicativo Tá de Pé. E os resultados positivos – e negativos – são bastante iluminadores sobre nossa teoria da mudança.

Contexto do Tá de Pé

O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, estabeleceu como sua meta 1 ter 50% das crianças de 0 a 3 anos em creches até 2024 e universalizar a pré-escola (4 a 5 anos) até 2016. De acordo com dados do Observatório do PNE, o Brasil tem 90% das crianças de 4 a 5 anos na pré-escola, e 30% das crianças de 0 a 3 anos em creches. Ver post completo “[Coluna 7] A importância do controle social no combate à corrupção – o caso do Tá de Pé”

[Coluna 6] O dia em que eu acreditei em fake news – e caminhos para combatê-la

Fake news – ou mais precisamente, desinformação – é, naturalmente, uma preocupação para a Transparência Brasil, na medida em que afeta a transparência pública. Esta não se resume ao papel do governo de disponibilizar informações, isto é, dar publicidade. É necessário que as pessoas efetivamente consigam acessar e entender as informações, e dar significado mais preciso para a realidade a partir destas informações. Sem esse efeito, a disponibilização de mais informações será inócua em produzir mais accountability, controle social e, por conseguinte, menos corrupção. Precisamos, portanto, pensar em como enfrentar esse problema.

No dia 10 de julho deste ano, eu li um tuíte que falava do Decreto nº 9.902/2019, alterando regulamentação sobre produção de cerveja. Nele, informava-se que o decreto excluiu a proibição de uso de sabão para produzir espuma. Eu cheguei a compartilhar a notícia para alguns poucos amigos de que a cerveja poderia ter sabão.

Poucos minutos depois duvidei de minha própria crença. O governo é dado a absurdos, mas permitir uso de sabão na cerveja? Após rápida investigação, descobri que a proibição continuava em vigor, só que não mais naquele decreto, mas em outro instrumento normativo.

Afinal, por que somos enganados por desinformação? 

De modo geral, eis o que comumente se acredita ser a forma racional de decidir sobre a veracidade de uma história: lê-se a notícia, avalia-se a plausibilidade dela e em seguida chega-se a um juízo sobre sua veracidade, sempre deixando as emoções de lado. Ver post completo “[Coluna 6] O dia em que eu acreditei em fake news – e caminhos para combatê-la”

[Coluna 5] Transparência Algorítmica: uma nova agenda de incidência

Um dos temas que a Transparência Brasil tem monitorado no último ano é o da Transparência Algorítmica [1]. De redes sociais, a mecanismos de busca, passando pelo nosso celular, o uso de Inteligência Artificial [2] é cada vez mais ubíquo em nossa sociedade. Mas e o seu uso pelo poder público? Quais as necessidades de transparência de algoritmos na esfera pública?

A demanda por mais transparência na utilização desses algoritmos envolve não apenas saber quais dados estão sendo coletados e compartilhados, mas também como eles são utilizados pelo poder público. Algoritmos também podem ser injustos e discriminatórios, e a comunidade de inteligência artificial tem acordado para esse problema.

Nos Estados Unidos, temos vários exemplos de localidades que têm avançado na discussão sobre transparência algorítmica. A cidade de Nova Iorque, por exemplo, criou uma força tarefa para avaliar e fazer recomendações sobre o uso de algoritmos pela prefeitura. Uma das conclusões desta força tarefa é que não está claro o que é um algoritmo que deve ser objeto de maior accountability, o que mostra como a questão é complexa e requer estudos adicionais. Ver post completo “[Coluna 5] Transparência Algorítmica: uma nova agenda de incidência”

Coluna [4]: O papel dos órgãos de controle no cancelamento de contratos para medicamentos do SUS

No Brasil, o papel dos órgãos de controle, notadamente os Tribunais de Contas, tem se orientado pelo controle de conformidade legal (compliance). Em países de tradição anglo-saxônica, como nos EUA, o controle vai além da conformidade, avaliando também o desempenho e a relação custo-benefício da política pública.

Em nossa tradição legal, é difícil conciliar controle de legalidade e inovação. De um lado, é da natureza da inovação a falha, experimentação e aprendizado. De outro, o controle de legalidade típico é rígido, pouco flexível diante de imprevistos e não lida muito bem com falhas. Há quem diga que o excesso de controle tem levado a um “apagão da caneta”, isto é, gestores que não querem tomar decisões, pela insegurança jurídica e risco de serem punidos.

A própria modificação da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) [1], feita em 2018, teve como objetivo alterar como órgãos de controle decidem, para que levassem em conta as consequências econômicas de suas decisões, bem como regulamentações novas para resguardar o gestor público, entre outros. Ver post completo “Coluna [4]: O papel dos órgãos de controle no cancelamento de contratos para medicamentos do SUS”