CGU decide que não há sigilo de advogado para AGU em pedido de acesso à fundamentação de vetos presidenciais

O exercício da cidadania e do direito à participação nas democracias é diretamente afetado pela disponibilidade e acessibilidade de informações públicas. O cidadão precisa ser capaz de verificar não somente quais decisões estão sendo tomadas pelos representantes e agentes políticos, mas as próprias motivações e justificativas para esses atos. Sem isso, não é possível exercer o controle social sobre o poder público, muito menos determinar o grau de accountability do governo.

Com isso em vista, recebemos com satisfação a decisão da CGU em um recurso de terceira instância em pedido de acesso a informação à Casa Civil, que havia negado o acesso aos documentos e pareceres que fundamentaram o veto presidencial parcial à Lei nº 13.853/2019, também conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados. A solicitação, registrada pelo advogado Felipe Lelis Moreira, está compartilhada na plataforma Achados e Pedidos.

O processo como um todo demonstra um absoluto descomprometimento com a LAI e o direito à informação, da parte da Casa Civil. Na resposta ao pedido inicial, o órgão simplesmente negou-se a fornecer as informações alegando como justificativa um suposto sigilo profissional entre o advogado-geral da União e o presidente da República. Para demonstrar o absurdo dessa alegação, cabe ressaltar que as informações solicitadas compreendem documentos produzidos pelos seguintes órgãos do Executivo federal:

  • Ministério da Justiça e Segurança Pública; 
  • Ministério da Economia; 
  • Secretaria-Geral da Presidência da República;
  • Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
  • Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; 
  • Banco Central do Brasil;
  • Advocacia-Geral da União;
  • Subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República;
  • Subchefia de Ação Governamental da Casa Civil;
  • Ministério da Saúde;
  • Controladoria-Geral da União.

Em suma, negou-se o acesso a documentos produzidos por dez outros órgãos que não a Advocacia-Geral da União – logo, não contemplados por esse suposto sigilo profissional -, sem nenhuma justificativa plausível. O requerente entrou com recurso sobre a negativa, obviamente questionando  também o argumento entre o sigilo profissional e os princípios da motivação dos atos públicos e da transparência, bem como da própria LAI, uma vez que os cidadãos têm o direito de conhecer o processo de produção e os argumentos utilizados na sustentação de atos legislativos. 

Em resposta, a Casa Civil ampliou o rol de justificativas descabidas. Alegou que, uma vez que os documentos solicitados foram produzidos por diferentes órgãos, o cidadão deveria realizar pedidos para cada um desses órgãos para obtê-los. Também argumentaram que teriam “trabalho adicional” para disponibilizar os documentos e que “a análise acerca de eventual sigilo ou restrição de acesso compete ao órgão ou entidade que produziu o documento”. 

Nenhuma dessas justificativas se sustenta. Primeiro, por se tratarem de documentos e pareceres solicitados pela própria Presidência da República e, assim, enviados a ela. Não é razoável que se argumente que os documentos não são de competência da Presidência, nem que não estão sob sua tutela e responsabilidade. De uma hora para outra, o governo, que atua de forma coordenada, assume diversas personalidades para dificultar o acesso a informação. Como se não bastasse, a alegação de trabalho adicional sequer faz sentido, pois foi solicitado o inteiro teor desses pareceres e documentos, da maneira que haviam sido produzidos. Não há necessidade alguma de produção ou tratamento adicional de informações, apenas sua publicação.

Além das justificativas espúrias, a Casa Civil reafirmou o suposto sigilo profissional do AGU, ao responder que este: “abrange as manifestações jurídicas elaboradas com a finalidade de apreciação de projeto de lei submetido à sanção ou veto do Presidente da República”. Ou seja, no processo de desenvolvimento e aprovação de um projeto de lei, instrumento que afeta toda a população e, dessa maneira, constitui objeto de interesse público, é vedado ao cidadão conhecer os argumentos produzidos pelo advogado-geral da União que sustentaram e motivaram vetos presidenciais. 

O solicitante entrou com um segundo recurso sobre essa negativa, que foi rejeitado em resposta assinada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, com base nos mesmos argumentos contrários à transparência e publicização. Sobretudo, é lamentável reconhecer o esforço da Casa Civil em lançar diversos argumentos pela opacidade de uma informação de amplo interesse público construída por um governo que tem o dever de representar os interesses do cidadão. Não se verifica aqui o entendimento da transparência como regra.

Esgotadas as instâncias recursais internas à Casa Civil, o solicitante recorreu da última negativa junto à Controladoria-Geral da União, que finalmente determinou que a íntegra dos documentos solicitados fosse disponibilizada ao requerente em um prazo de 60 dias. É importante celebrar o fato de que essa decisão lidou substantivamente com a questão do suposto sigilo do AGU, e definiu que este não é um argumento válido para a negativa de acesso a informação. 

De acordo com a CGU: “para que ocorra a restrição de acesso, em função do sigilo profissional do advogado, deve estar estabelecida a relação advogado-cliente ou ao menos uma lide em curso sobre a matéria objeto do acesso à informação”. O advogado-geral da União não exerce a função de advogado pessoal do presidente, especialmente nesse caso, no qual sua competência é a de assessorar a produção normativa tendo em vista a proteção do ordenamento jurídico e da Constituição.

Contudo, é preciso questionar a concessão de prazo de 60 dias para que a Casa Civil disponibilize a informação. De acordo com o § 2 do artigo 23 do decreto nº 7724/2012, que regulamentou a LAI no Executivo federal, “provido o recurso, a Controladoria-Geral da União fixará prazo para o cumprimento da decisão pelo órgão ou entidade”. O prazo de 60 dias é muito mais longo que qualquer prazo de resposta definido na LAI, e a CGU não fornece nenhuma razão para que seja dessa maneira. 

Considerando, ainda, que os documentos solicitados já estão todos prontos, faltando apenas disponibilizá-los, faz menos sentido ainda conceder um prazo tão extenso. A própria LAI determina, em seu artigo 11, que: “o órgão ou entidade pública deverá autorizar ou conceder o acesso imediato à informação disponível”. Reafirmamos que a devida implementação e efetividade da LAI depende do tempo levado para dar publicidade a informação. Conceder acesso a informação de maneira tardia, como ocorrido nesse caso, pode torná-la irrelevante, ferindo assim a transparência e capacidade de controle social do cidadão.