Em países mais transparentes, o cidadão tem mais poder sobre os rumos do governo?

Qual a importância da transparência para a queda de um governo? Quanto maior as informações disponíveis sobre um governo, maior seria a capacidade da população avaliar bons e maus governos votando por sua manutenção ou sua saída nas eleições. Embora o Brasil seja um dos melhores colocados em dados abertos no mundo, as dificuldades para efetivo controle social ainda são enormes. O que poderia explicar esse fenômeno contraditório?

Essas questões, cruciais para o entendimento e desenvolvimento de políticas de transparência, foram alguns dos pontos abordados no evento Transparência fiscal em perspectiva comparada e o caso brasileiro. Ocorrido em 20 de março, o evento foi realizado pela Transparência Brasil em parceria com o Consulado Geral dos Estados Unidos, o Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O evento contou com a participação do cientista político James Hollyer. Doutor em ciência política pela New York University, Hollyer é docente na Universidade de Minnesota e co-autor do livro “Information, Democracy and Autocracy: Economic Transparency and Political (In)Stability“. Juliana Sakai, diretora de operações da Transparência Brasil, e Florêncio Dos Santos Penteado Sobrinho, ouvidor da Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo, também fizeram parte da mesa. A mediação foi realizada por Umberto Mignozzetti, professor de relações internacionais da FGV.

Durante sua apresentação, Hollyer destacou a importância da transparência de dados públicos para a mobilização política dos cidadãos, em especial aos que vivem sob autocracias. No caso das democracias, a transparência é um fator que confere estabilidade ao regime, ao passo que nas autocracias, o aumento na transparência é um fator desestabilizador, pois favorece a organização cívica e fortalece a mobilização em massa. Essas conclusões são parte de seu trabalho em parceria com Rosendorff e Vreeland: os autores criaram o índice HRV de transparência, com base em dados econômicos fornecidos por diversos países para a compilação World Development Indicators do Banco Mundial.

Aprofundando mais a questão, Sakai discorreu sobre a transparência de dados públicos no caso brasileiro. Ao comparar a posição do Brasil em dois índices internacionais, o “Global Open Data Index“, da Open Knowledge Foundation e o “Índice de Percepção da Corrupção“, da Transparência Internacional, ela apontou a contradição entre a boa colocação no primeiro, que mede a quantidade de dados abertos fornecidos pelo governo federal, e a péssima colocação no segundo, composto pela percepção de empresários e especialistas sobre a corrupção no país.

Essa contradição aparente se torna mais compreensível ao considerarmos a situação da transparência em níveis subnacionais: de acordo com Sakai, o nível de transparência e acesso a informação nos estados e municípios é pior, há menos servidores capacitados para lidar com dados públicos, falta padronização de gastos e receitas. Além disso, Sakai afirma que essas são as esferas responsáveis pela maior parte das políticas públicas, logo o impacto da opacidade e da falta de transparência nelas é sentido com ainda mais intensidade pelo cidadão.

Sakai ainda aponta o sigilo e a opacidade fiscal em relação às empresas como uma das fronteiras atuais no combate à corrupção. Apenas recentemente a Receita Federal liberou informações a respeito o quadro societário de empresas, por exemplo, que possibilita a identificação de ilicitudes em contratos e licitações com o poder público. No entanto, no que tange renúncias fiscais, a falta de transparência e controle ainda imperam, e impactam significativamente o orçamento público.

Florêncio também trouxe sua experiência concreta como ouvidor da Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo. Ainda que o portal de serviço de informação ao cidadão da Secretaria da Fazenda seja extremamente completo e conte com uma elevada transparência ativa — as informações voluntariamente disponibilizadas e publicizadas pelo governo —, ele nos chama atenção para a igualmente elevada frequência de pedidos de acesso a informação requerendo dados que já estão públicos no portal.

Segundo ele, isso por um lado demonstra que muitas vezes há uma dificuldade, para o cidadão comum, em compreender e encontrar a informação que deseja nos termos que o governo disponibiliza. Por outro lado, nos mostra a importância do trabalho das ouvidorias, que nesses casos são incumbidas a orientar o caminho para que o cidadão encontre essas informações dentro dos portais.

Nesse sentido, o debate com os participantes deu destaque à necessidade de padronizar e facilitar o acesso aos dados públicos, da parte do governo, para públicos distintos. Argumentou-se que muitas vezes o governo disponibiliza dados em um formato que é mais útil para si mesmo, mas que talvez não seja útil para organizações de controle social, que lidam mais com bases de dados a serem trabalhadas em programas de análise, e possivelmente não seja simples o suficiente para o cidadão, que costuma buscar informações mais pontuais.

De toda forma, a informação disponibilizada por transparência ativa sempre estará sujeita a dúvidas e problemas. Assim, a transparência passiva — ou seja, aquela que é fornecida pelos agentes do governo em resposta a solicitações e perguntas diretas dos cidadãos — é fundamental para garantir o completo acesso a informação.