Falhas estruturais do Proinfância são discutidas por governo, órgãos de controle e sociedade civil em evento da Transparência Brasil

 

 

Após dois anos de monitoramento cidadão projeto apresenta relatório sobre falhas encontradas em todas as fases do programa.

Junho de 2019

O programa Proinfância, do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), precisa de alterações urgentes. Este foi o consenso entre representantes do governo, de órgãos de controle e da sociedade civil que participaram do evento Repasses federais em educação: transparência e controle social em municípios do projeto Obra Transparente, ocorrido no dia 11 de junho.

O evento marcou dois anos do projeto Obra Transparente, implementado pela Transparência Brasil em parceria com o Observatório Social do Brasil (OSB) e 21 observatórios sociais locais, que ofereceu capacitações e assessoria técnica para o monitoramento cidadão de obras de escolas e creches financiadas pelo governo federal.

Com foco propositivo, o evento foi dividido em duas partes: durante a manhã, convidou  gestores municipais e observadores sociais que participaram do projeto a discutirem formas de fortalecer a gestão local e o monitoramento social sobre repasses federais; na parte da tarde, aberto ao público geral, apresentou os principais resultados e descobertas do projeto e promoveu um debate a respeito do programa monitorado.

Perspectivas para o controle social em nível local

Na primeira atividade, uma dinâmica entre os participantes estimulou a apresentação de propostas para aprimorar a efetividade do controle social. Com reconhecida experiência no tema, Luciana Pascarelli, da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo, Bruna Santos, diretora de conhecimento e inovação da ONG Comunitas e conselheira da Transparência Brasil, e Roni Enara, diretora-executiva do OSB, iniciaram as falas com provocações aos demais participantes.

As palestrantes apresentaram instrumentos e discutiram estratégias para o acompanhamento e fiscalização dos governos no nível local, e foram sucedidas por relatos de cooperação e enfrentamento de dificuldades tanto pelos observadores quanto pelos gestores públicos presentes. Entre as experiências abordadas, Adriano Strassburger, contou como o uso do drone de um dos demais observadores sociais de sua cidade, Lajeado (RS), permitiu a retomada de uma obra que precisava de uma foto aérea para liberar seu financiamento.

Fortalecimento da sociedade civil no controle social e da gestão local na implementação de políticas federais

Em seguida, observadores sociais e gestores públicos foram divididos em salas separadas para debater os obstáculos identificados pelo projeto e apresentar as sugestões para superá-los.

Entre os gestores, as principais queixas referiam-se a dificuldade de alterar o projeto básico das obras, que quando padronizado nem sempre se adequa às necessidades específicas dos municípios, e ao desafio de planejar sem orçamento.

Para sanar essas dificuldades, os gestores gostariam que os municípios recebessem os repasses para gerir suas obras com mais autonomia. Outro ponto levantado foi a necessidade de qualificação dos servidores responsáveis pelas licitações e pela fiscalização das obras.

Já entre os integrantes dos Observatórios Sociais, a discussão trouxe um grave problema de transparência: a disparidade entre a situação das obras e os dados disponíveis no portal do governo. As restrições de acesso às instalações e a falta de preparo de alguns servidores para a fiscalização das obras também foram queixas recorrentes entre os grupos.

As contribuições dos observadores para superar esses obstáculos se concentraram no uso de instrumentos de planejamento como o Programa de Metas, estímulo a parcerias com entidades de classe de engenheiros e arquitetos que possam auxiliar com conhecimento técnico no monitoramento de obras e o uso de mecanismos para garantir o comprometimento das construtoras mesmo após a entrega da obra.

Painel de apresentação dos percursos e resultados dos projetos Tá de Pé e Obra Transparente

Aberta ao público geral, a parte da tarde do evento se iniciou com a celebração da 2ª colocação do projeto Obra Transparente no Prêmio República, na categoria Responsabilidade Social, concedida pela Associação Nacional dos Procuradores da República.

Em seguida, no primeiro painel do dia, Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil, apresentou resultados da avaliação de impacto do aplicativo de celular Tá de Pé, que permite aos cidadãos fiscalizarem obras de creches escolas por meio de fotos.

Segundo Manoel, apesar do número modesto de alertas enviados a partir das fotografias de cidadãos, esse exercício foi capaz de aumentar 5% a chance das obras serem concluídas. Em ação paralela ao aplicativo, a Transparência Brasil enviou alertas aos governos subnacionais baseados apenas em inconsistência de dados oficiais, sem evidências fotográficas. Embora a iniciativa tenha aumentado significativamente o volume de respostas recebidas dos órgãos públicos, não teve impacto na conclusão de obras .

Logo após, Bianca Vaz Mondo, gerente do projeto Obra Transparente, falou sobre as experiências e avaliações elaboradas nos dois anos de exercício do controle social sobre 135 obras de 21 municípios participantes, que resultaram no relatório Proinfância ou Problema na Infância? Os desafios na construção de creches e escolas em municípios brasileiros, lançado na ocasião do evento.  

Em sua fala, Bianca apontou, fase a fase, uma série de falhas estruturais no programa que só serão solucionadas com reformulação. A gerente do Obra Transparente iniciou seu relato sobre as graves irregularidades no Proinfância tratando de casos que seriam identificados ainda na fase de planejamento “em que obras receberam financiamento sem cumprir os requisitos mínimos para sua implementação, segurando recursos que seriam importantes para custear obras melhor planejadas”.

Bianca ainda citou fragilidades na condução dos processos de licitação e contratação por parte dos entes federados na fase de execução e obras entregues com a segurança comprometida por  falhas na execução, em consequência de uma fiscalização inadequada.

Balanço da política de repasses para infraestrutura escolar: o que funciona e quais os desafios?

No último painel, a Transparência Brasil conseguiu juntar governo, órgãos de controle e representante dos municípios para apresentarem seus diagnósticos do Proinfância. 

 O FNDE, que nos últimos dois anos se mostrou relutante em dialogar e cooperar com a Transparência Brasil, enviou dois representantes para um diálogo franco. A coordenadora-geral de Infraestrutura Educacional, Patrícia Costa, e o coordenador-geral de Implementação e Monitoramento de Projetos Educacionais, Olímpio Soares, reconheceram os problemas do programa e apresentaram as diferentes estratégias que o Ministério da Educação já formulou para o Proinfância. O governo reconheceu a importância do controle social para monitorar a implementação da política pública e se comprometeu a receber as organizações da sociedade civil.

Recordando que o investimento em educação nos primeiros anos de vida trazem os maiores retornos para a sociedade, o coordenador do Núcleo de Ações de Prevenção da Corrupção da Controladoria Regional da União no Estado de São Paulo, Márcio Aurélio Sobral, afirmou que “os erros do Proinfância não podem diminuir a relevância da demanda por creches nos municípios do país”.

Márcio também apresentou dados de monitoramentos da Controladoria-Geral da União, que resultou em cancelamentos de obras mal planejadas. A estimativa do prejuízo causado por obras inacabadas, canceladas e paralisadas já chega a R$ 830 milhões.

Em seguida, Mônica Cardoso, técnica da área de educação da Confederação Nacional dos Municípios, falou sobre a dificuldade de se retomar as obras inacabadas do Proinfância.  Segundo Mônica, a Resolução 03/2018, que busca firmar novos termos de compromisso entre os entes federados e o FNDE para a conclusão dessas obras, não conseguiu a estimular a adesão dos municípios. 

Com base em uma pesquisa realizada pela CNM, Mônica destacou o interesse dos municípios na recuperação de contratos pendentes para concluir as obras que não se concretizaram. Mas advertiu que o prazo definido pela resolução não será suficiente para a regularização e sugeriu uma ação conjunta com o FNDE para ampliar a compreensão dos motivos para a não conclusão das obras.

Dando concretude à discussão, a Procuradora da República no Estado do Rio de Janeiro, Maria Cristina Manella, reproduziu um vídeo que documenta visitas do Grupo de Trabalho de Educação do Ministério Público Federal a duas escolas construídas com recursos do Proinfância em um município do Estado de Alagoas, uma em más condições de conservação e outra concluída, mas sem uso por conta da troca de gestão responsável pela obra.

Além destes casos, Maria Cristina abordou com ênfase os problemas da segunda fase do Proinfância, encerrado em 2015, mas que ainda tem reflexos negativos. Para a procuradora, por utilizar projetos muito específicos, o programa ficou refém dos quatro fornecedores capazes de executá-los, que abandonaram contratos deixando obras inacabadas sem a possibilidade de recuperação. Assim, Maria Cristina recomenda que seja adotada a metodologia convencional nos contratos a serem reativados pela Resolução 03/2018.