Municípios gaúchos fazem compras emergenciais com empresas criadas após o início da pandemia e adquirem remédios sem eficácia comprovada, mostra relatório

Levantamento exclusivo realizado pela Transparência Brasil mostra compras questionáveis feitas por municípios do Rio Grande do Sul durante a pandemia e a queda de preços de itens básicos para o combate à COVID-19. As informações foram obtidas junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) e posteriormente processadas pela equipe da Transparência Brasil em parceria com o Laboratório Analytics da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) para o projeto Tá de Pé – Compras Emergenciais.

Aproximadamente R$ 1 milhão das compras emergenciais dos municípios gaúchos foi destinado a 15 pessoas jurídicas criadas após a Lei Federal n. 13.979/2020 ser sancionada. A lei permitiu a dispensa de licitação com a intenção de facilitar a compra de insumos no combate à COVID-19. De acordo com Jonas Coelho, cientista de dados da Transparência Brasil, tais compras podem ser problemáticas porque “empresas fundadas muito recentemente, em geral, não têm experiência no mercado e sua data de fundação pode ser um indicativo de possível acerto fraudulento com o poder público”. 

Vários municípios gastaram com a compra de medicamentos cuja eficácia contra a COVID-19 ainda não é comprovada (cloroquina, ivermectina, azitromicina). Só em Sapiranga, que realizou o maior gasto com esses medicamentos, foram adquiridas 45.500 unidades de ivermectina e azitromicina, número que equivale à metade da população do município, de pouco mais de 80 mil habitantes. Ao verificar a distribuição das compras ao longo do tempo, nota-se uma coincidência com declarações do presidente da República a respeito das substâncias e com a divulgação de estudos preliminares sobre elas.

Foram analisados dados de compras realizadas por 383 cidades do Rio Grande do Sul (aproximadamente 77% do total) em razão da pandemia de COVID-19. De fevereiro a setembro de 2020, os municípios realizaram 5.372 licitações em um total de pouco mais de R$ 302 milhões.

A análise dos montantes pagos pelas prefeituras mostrou que, a partir de abril, os preços de materiais como álcool, máscaras e testes caiu e se estabilizou. Com o número de municípios realizando compras emergenciais estabilizado, a partir de maio foi observada tendência de redução no valor médio gasto por cada cidade. “É preciso questionar a necessidade de se manter o processo de dispensa de licitação para compras desse tipo”, diz Coelho. Ele destaca que “a queda indica que o cenário de março, quando havia uma grande dificuldade em encontrar fornecedores, não está mais em vigor”.

 

Problemas na transparência

O levantamento aponta ainda problemas nas prestações de contas dos municípios envolvendo compras emergenciais. Em oito meses, mais de R$ 8 milhões em produtos tiveram algum tipo de imprecisão no registro de preços junto ao TCE-RS. Foram identificados mais de R$ 11 milhões em compras de máscaras, luvas, aventais e toucas cujas descrições não citavam detalhes sobre o material de fabricação ou o valor unitário pago, por exemplo. Também há imprecisões na indicação da medida de referência para a compra.

Em Rosário do Sul, por exemplo, duas compras que somam mais de R$ 100 mil descreveram os objetos adquiridos de forma genérica e agregada, o que impossibilita saber o preço unitário dos produtos adquiridos. No município de Ijuí, uma licitação cuja descrição do objeto diz apenas “confecção de avental” com o campo de unidades preenchido com “1” gerou um contrato de R$ 6.350. Como é pouco provável que um único avental custe mais de seis mil reais, é possível que o registro se refira à entrega, por exemplo, de 100 jalecos de algodão, ou de 500 unidades de jalecos descartáveis. Como não há mais detalhes, a identificação dessas compras pelos órgãos de controle e pelo cidadão fica comprometida.

Entre os produtos que mais frequentemente aparecem com preenchimentos incorretos são máscaras, sabão e jaleco. Para Coelho, isso é desvantajoso não apenas por dificultar a análise de grandes dados pelos órgão como o TCE ou pelo cidadão, mas também por gerar o risco de a administração pública receber itens diferentes do esperado, sem atender às especificações técnicas necessárias para segurança da equipe médica.

Mesmo com as falhas de preenchimento, foi possível detectar padrões e operações questionáveis devido à divulgação dos dados. Para Juliana Sakai, diretora de operações da Transparência Brasil, a transparência e o acesso a dados estruturados de compras públicas são fundamentais no combate à corrupção: “Não adianta mais propor aumento de penas de crimes de corrupção, se não somos capazes de identificar esses crimes. E é justamente melhorando a transparência com dados estruturados de compras públicas que seremos capazes de fortalecer tanto a gestão quanto o controle — externo e social.”

Confira o relatório na íntegra

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