Nota conjunta: Entidades pedem mais transparência na tramitação do PL que altera a Lei de Improbidade Administrativa

A Transparência Brasil junto a outras quatro organizações assinou nesta terça-feira (8.set.2020) uma carta aberta à Presidência da Câmara dos Deputados solicitando mais transparência na tramitação do Projeto de Lei 10.887/2018 que altera a Lei de Improbidade Administrativa (8.429/1992). 

O projeto apresentado pelo deputado federal Roberto de Lucena (PODE-SP) em 2018 está sob análise de uma comissão especial da casa e, segundo o site da Câmara, teve sua última movimentação em novembro do ano passado. Mas, informalmente, circula um texto substitutivo ao PL que já recebeu considerações públicas contrárias do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais. Isso mostra que as discussões sobre o projeto de lei estão acontecendo, mas a população não está sendo informada.

Essa não seria a primeira vez que o Congresso Nacional utilizaria manobras para dificultar o acesso da sociedade civil à textos legislativos que não são tão bem vistos pela opinião pública. Em junho, o relator da “PL das Fake News” apresentou o texto substitutivo poucas horas antes da votação, após já ter articulado com outros senadores, sem que a sociedade pudesse debatê-lo. Em 2019, a mesma coisa aconteceu na votação que alterou a lei partidária, também com o intuito de obstruir a participação da sociedade civil e dar tempo para demais legisladores refletirem sobre o PL.

Confira a carta na íntegra: 

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E AOS MEMBROS DA COMISSÃO ESPECIAL DO PL 10.887/2018 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA)

As entidades abaixo subscritas, vêm a público se manifestar a respeito da tramitação do Projeto de Lei (PL) 10887, de 2018 de autoria do Deputado Roberto de Lucena (Podemos/SP), que pretende atualizar a Lei 8429, de 1992 – Lei de Improbidade Administrativa. A proposta tramita em Comissão Especial sob relatoria do deputado Carlos Zarattini (PT/SP) e visa a modificar um importante instrumento jurídico punitivo de agentes públicos e privados pela prática de atos de improbidade com enriquecimento ilícito, danos ao patrimônio público e violações a princípios da administração pública

É de conhecimento público que a pandemia de COVID-19 afetou a atividade legislativa, com a paralisação temporária de debates em comissões e realização de audiências públicas virtuais. Ocorre, no entanto, que seguem vigentes todos os preceitos inerentes ao processo legislativo, incluído o que se dispõe nos artigos 5º, XIV, e 37 da Constituição Federal, bem como na Lei Federal 12.527, de 2011, que estabelecem regras e atribuem responsabilidades a órgãos e entidades públicas, em todos os poderes, inclusive no Legislativo, para a concretização do direito de acesso a informação pública.

Assim, o fato de a sociedade civil somente tomar conhecimento da existência de um substitutivo ao PL por meio da imprensa é preocupante. Ainda que rascunhos preparatórios e documentos preliminares sejam práticas comuns durante o processo legislativo e nem sempre tenham impactos sobre proposições, não parece ser o caso em questão: o fato de o Ministério Público Federal (MPF) já ter publicado nota técnica a respeito indica que o texto está em fase avançada de debates, sem a devida transparência.

A ficha de tramitação do PL 10887/2018 no site da Câmara dos Deputados não exibe o dito substitutivo, tampouco a página da Comissão Especial que o discute. Trata-se de grave ofensa à transparência do processo legislativo e obstáculo à participação social em matéria de extenso interesse público, agravados pelo contexto de deliberação remota.

Não seria a primeira vez que o legislativo brasileiro utilizaria manobras para dificultar a discussão adequada de textos legislativos que não possuem apoio da opinião pública ou sociedade civil organizada. 

Na tramitação do chamado PL de Fake News no Senado, o relator apresentou o substitutivo poucas horas antes da votação, após já ter articulado o texto com outros Senadores, sem que a sociedade civil pudesse ter acesso ao texto. Similarmente, na tramitação de alteração da lei partidária e eleitoral (PL 5029/2019 ou Lei 13.877/2019, substitutivo foi apresentado na Câmara dos Deputados poucas horas antes da votação, também com o intuito de obstruir a participação da sociedade civil e mesmo dar tempo para demais legisladores refletirem sobre o PL. 

Preocupa-nos, ainda, que a opacidade sobre a tramitação e os debates relativos ao PL seja uma manobra para dificultar a discussão adequada de textos legislativos que não têm apoio da opinião pública ou da sociedade civil organizada.

O temor tem fundamento em precedentes recentes: na tramitação do chamado PL de Fake News no Senado, o relator apresentou o substitutivo poucas horas antes da votação, após já ter articulado o texto com outros Senadores, sem que a sociedade civil pudesse ter acesso ao texto. Similarmente, na tramitação de alteração da lei partidária e eleitoral (PL 5029/2019 ou Lei 13.877/2019, substitutivo foi apresentado na Câmara dos Deputados poucas horas antes da votação, também com o intuito de obstruir a participação da sociedade civil e mesmo dar tempo para demais legisladores refletirem sobre o PL. 

Há, portanto, risco concreto de que um texto substitutivo desconhecido do público leve à construção de acordos de bastidores para evitar o debate com a sociedade civil justamente sobre matéria tão sensível para todos os brasileiros.

A transparência no processo de elaboração das normas condiciona o pleno exercício da participação, da escolha e do controle. Da oportunidade de acesso a informações completas, verídicas e de qualidade depende, portanto, a manutenção da democracia. 

Neste ponto, é necessário destacar que diversos trechos do texto em circulação informal, e que embasou a referida Nota Técnica do MPF, provocam imensa apreensão por representarem retrocessos extremamente graves no que se refere ao combate à corrupção e à promoção da integridade no poder público.

Vale registrar, ademais, que, caso confirmada, a hipótese em apreço, isto é, o debate clandestino e sub-reptício da matéria, representaria de per si ato de improbidade administrativa, uma vez que há meios de imprimir transparência ao processo legislativo e garantir a participação da sociedade civil mesmo na vigência do sistema de debate e deliberação remota.

As organizações signatárias manifestam total repúdio ao procedimento ora descrito e, respeitosamente, solicitam ao Presidente desta Câmara dos Deputados, Excelentíssimo Senhor Deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), que adote as providências necessárias para garantir a regularidade e a adequação do contexto de discussão e deliberação legislativa da matéria em comento, exortando os ilustres legisladores que prezem pela transparência ao referido processo decisório.

 A sociedade civil exige os esclarecimentos devidos e a abertura de um canal de participação institucional para o debate sobre tal proposição. 

São Paulo, 08 de setembro de 2020.

Assinam:

Instituto Não Aceito Corrupção

Transparência Partidária

Transparência Brasil

Instituto Soma Brasil

Amigos Associados de Analândia