O saldo da transparência na reforma partidário-eleitoral

No final de setembro foi sancionada a Lei nº 13.877, uma reforma político-eleitoral que reduz a transparência da prestação de contas e promove a improbidade partidária. Sem a atuação da sociedade civil, o impacto negativo teria sido pior.

Aproveitando-se da tramitação já avançada de um projeto completamente diferente, deputados substituíram todo o texto e tentaram sua aprovação em regime de urgência, sem o devido debate com a sociedade ou com seus pares. Em conjunto com organizações como a Transparência Partidária, atuamos durante todo o rito do PL, enviando cartas abertas aos presidentes do Senado e da Câmara e mobilizando a opinião pública. 

A incidência teve sucesso junto ao Senado.  Contudo, quando o PL voltou à Câmara, o substitutivo foi trazido de volta e, com ele, muitas das medidas problemáticas. Após sua aprovação e encaminhamento à sanção presidencial, ainda enviamos carta à Presidência da República, que vetou dois pontos críticos.

Apesar da Lei ter mantido características negativas (como o pagamento a contadores e advogados com recursos públicos), a mobilização da sociedade civil foi determinante para impedir uma redução ainda maior da transparência na prestação de contas partidárias e a anistia a penas já aplicadas aos partidos e a políticos.

Confira abaixo o balanço deste processo escrito pela Transparência Brasil, Transparência Partidária, Contas Abertas e Movimento Não Aceito Corrupção.

 

O saldo da transparência na reforma partidário-eleitoral

O presidente Bolsonaro sancionou na última sexta-feira, com alguns vetos, a Lei no 13.877/2019, que altera regras de funcionamento dos partidos e de organização das eleições.

Com a mobilização de mais de 20 entidades, evitamos uma drástica diminuição da transparência das contas dos partidos e das campanhas eleitorais. Detivemos a autorização para usar recursos públicos para pagar a defesa de políticos acusados de corrupção e para custear ações judiciais de “interesse indireto” do partido. Impedimos que penas já aplicadas fossem anistiadas e que pudessem ser pagas com recursos públicos. Afastamos a exigência de conduta dolosa para multar os partidos. Barramos a abertura de brecha para incursos na Lei da Ficha Limpa e evitamos que os partidos pudessem pagar passagens aéreas com dinheiro público para qualquer pessoa.

Encerrada a tramitação no Legislativo, recomendamos veto a 16 dispositivos, mas só dois foram retirados: o referente às passagens e o que flexibilizaria a Lei da Ficha Limpa.

Infelizmente, permaneceu a exclusão das contas bancárias dos partidos de controles mais rígidos de órgãos como Receita Federal e COAF. Também ficou a possibilidade de transferir recursos do Fundo Partidário para qualquer instituto privado presidido pela Secretária da Mulher do partido. Vale notar que o texto fixa o percentual mínimo que pode ser transferido, permitindo que parcelas ainda maiores sejam direcionadas para instituições privadas a respeito das quais não há regramento de fiscalização. 

Também foram mantidos os dispositivos que permitem que serviços de contabilidade e advocacia sejam pagos com recursos públicos ou de pessoas físicas, sem limite de valor, seja em relação aos honorários, em relação ao tamanho da doação ou, ainda, em relação ao teto nominal de gastos de campanha. 

A esse respeito, é necessário reconhecer que determinados serviços são mais suscetíveis a eventuais práticas irregulares, na medida em que não há critérios objetivos para sua precificação. Nesses casos, valores cobrados pela realização de atividades idênticas podem sofrer grande variação, a depender exclusivamente do profissional contratado. Merecem, portanto, tratamento mais rigoroso, especialmente quando financiados com recursos públicos.

A corrupção é fenômeno que tem causas objetivas, que são precisamente as oportunidades concretas para sua ocorrência. Para que seu combate seja eficiente, essas causas precisam ser objetivamente identificadas, a fim de instituir mecanismos e regramentos para prevenção e repressão do fenômeno. Não se trata de levantar genericamente suspeição contra quem quer que seja, mas de adotar mecanismos de precaução. Aliás, os maiores interessados em um forte controle do financiamento público são justamente aqueles que atuam de forma íntegra e fazem questão de prestar contas com a sociedade. Infelizmente, a falta de um teto para esse tipo de despesa deixou a porta aberta para que indivíduos desonestos possam manipular os permissivos legais, maculando toda uma categoria profissional, para mascarar eventuais práticas de caixa-dois e lavagem de dinheiro. 

A Lei diminuiu ainda a autonomia dos técnicos que analisam as contas partidárias, que não poderão mais opinar sobre a pena que entendem adequada. Além de parecer censura, o que se retira na prática é a possibilidade de os juízes contarem com suporte especializado, que em nada se confunde com ingerência sobre sentenças. 

Também não houve veto à permissão genérica de uso do Fundo Partidário para “compra e locação de bens móveis e imóveis” nem a mais uma flexibilização do pagamento das multas aplicadas aos partidos. Nesse caso, os descontos nos repasses do Fundo Partidário ficaram limitados a 50% do valor devido. É mais uma diminuição da capacidade dos órgãos de controle de promover o esmero na gestão dos partidos e inibir a reiteração de condutas irregulares. 

Na mesma linha, ficou um dispositivo que impede a Justiça de solicitar aos partidos documentos emitidos por entidade bancária; outro que a obriga a notificar a instância superior para poder aplicar penalidade à esfera inferior; e um terceiro, que lhe transfere a responsabilidade pela gestão dos dados de filiados, como se devesse funcionar como instância auxiliar dos partidos políticos.

Espera-se que o Congresso Nacional não derrube os poucos vetos que podem impedir mais retrocessos para transparência e integridade de partidos e campanhas eleitorais.

Gil Castello Branco, economista, é secretário-geral da ONG Contas Abertas.

Juliana Sakai, cientista política, é diretora de operações da Transparência Brasil.

Marcelo Issa, cientista político e advogado, é diretor-executivo do Transparência Partidária e membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil.

Roberto Livianu, promotor de justiça, é presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.