Organizações da sociedade civil revelam como a pandemia tem afetado as respostas obtidas pela LAI

Publicado originalmente no site da Abraji em 19 de maio.
Autoria: Mayara Paixão

Traduzir os dados públicos com linguagem mais acessível aos cidadãos, disponibilizar as informações desagregadas, responder às solicitações da imprensa e da sociedade civil com celeridade, mesmo diante das rápidas transformações e da exigência cada vez maior de dados específicos. Esses são alguns dos desafios para o aprimoramento da Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527), que completou oito anos em vigor em 16.mai.2020.

As questões foram levantadas por representantes de organizações e redes da sociedade civil e do poder público no webinar “LAI 8 anos: transparência em quarentena”, realizado nesta segunda-feira (18.mai.2020). A íntegra do debate está disponível aqui.

Apesar de uma data de celebração da lei, que fortalece a transparência ativa e passiva na atuação do poder público, o momento também é de reflexões importantes. “Esse é um período que vai definir como trataremos a transparência em saúde daqui para a frente, não apenas no momento de emergência de saúde como o que estamos vivendo”, resumiu Júlia Rocha, assessora de projetos da ARTIGO 19.

Desde a chegada da pandemia da covid-19 no Brasil, diferentes organizações que trabalham no fomento à liberdade de expressão e à transparência pública acompanham como o contexto de crise sanitária tem impactado o funcionamento da LAI. Os resultados preliminares e finais de levantamentos foram apresentados durante o debate, que contou com a mediação de Marina Atoji, gerente de projetos da Transparência Brasil.

Paula Oda, coordenadora de Projetos de Integridade do Instituto Ethos, apresentou os resultados de levantamento do Fórum de Direito de Acesso à Informações Públicas — disponíveis aqui. O material analisou todos as respostas de pedidos de acesso à informação feitos ao Executivo federal de 7.fev.2020, quando foi decretado o estado de emergência, a 27.abr.2020. Os dados estão disponíveis no no banco de pedidos e respostas da Controladoria-Geral da União (CGU).

Algumas das informações encontradas:

  • Mesmo que não previsto na lei, a pandemia foi citada como motivo para alteração no atendimento — não envio de informações, envio parcial do pedido ou atendimento fora do prazo — de pelo menos 139 pedidos de informação entre 27.mar.2020 e 27.abr.2020;
  • Em 46 dos casos, as respostas não demonstravam como a pandemia impossibilita o atendimento integral da demanda. Já nos outros 95, a alteração no atendimento era justificada;
  • Entre as justificativas, a mais frequente foi a necessidade demonstrada da presença de um servidor no órgãos público para consultar a informação solicitada (desde mar.2020, boa parte dos servidores públicos está no regime de teletrabalho).

A ARTIGO 19 também tem feito trabalho semelhante na análise da transparência passiva — quando o poder público fornece informações mediante solicitações e pedidos realizados pela sociedade civil. Júlia Rocha apresentou os resultados preliminares de um dossiê que analisou 115 pedidos de informação às unidades federativas, ao Ministério da Saúde e ao Hospital das Forças Armadas sobre a pandemia.

Entre os temas das solicitações, estão os protocolos de testagem da covid-19, o número de testes, os protocolos de notificação, a taxa de ocupação de unidades de tratamento intensivo (UTIs), os laudos médicos do presidente Jair Bolsonaro e as ações federais de combate à pandemia. Alguns dos resultados:

  • Apenas 32 respostas integrais foram enviadas; 37 dos pedidos (32%) não foram respondidos; 21 respostas foram parciais e 23 categorizadas como ausência de informações;
  • Muitos dos órgãos inovaram na forma de publicação das informações, como mapas e gráficos interativos. Apesar disso, predomina a linguagem técnica e pouco acessível para abordar os assuntos;
  • Há discrepância entre distribuição e realização de testes. Em 20.abr.2020, segundo dados obtidos no levantamento, a capacidade era de testar 500 mil pessoas, mas apenas 132 mil testes tinham sido realizados;
  • Apesar de as fichas de notificação serem completas na descrição do infectado, a baixa realização de testes é um dos fatores principais que dificulta a identificação dos grupos mais vulneráveis e dependentes de políticas públicas;
  • Inexiste um sistema único de envio de dados sobre casos confirmados das unidades federativas para o Ministério da Saúde, o que pode levar à perda de dados;
  • Nota-se uma incapacidade de manter o dado de ocupação das UTIs atualizados.

“Há um cenário de subnotificação e apagão de informações. Isso impede que o desenvolvimento de políticas públicas mais eficientes que cheguem aos grupos mais vulneráveis”, resume Rocha.

Desde abr.2020, a Open Knowledge Brasil organiza um ranking de transparência dos Executivos municipais e federal sobre a pandemia com base em três indicadores: divulgação de boletins epidemiológicos, painéis e releases sobre os casos; nível de detalhamento das publicações; e formato (se o material é disponibilizado em formato editável e se é ´possível localizar a série histórica dos dados, por exemplo).

Camille Moura, coordenadora de Advocacy e Pesquisa da OKBR, apresentou os resultados preliminares de um mês e meio de pesquisa. O objetivo do índice é estimular a transparência ativa — atuação do poder público em liberar o maior número de informações e dados possíveis em seu portal on-line.

Enquanto informações sobre características dos pacientes (como raça e sexo) e internações (quantidade de pessoas em UTIs e leitos clínicos) avançaram; outras, como a taxa total de ocupação de leitos e a capacidade de testagem estadual, ainda são um problema.

“Isso é um problema gravíssimo. Quando temos dificuldade de entender o panorama de testagem, temos uma dificuldade ainda maior de estimar a subnotificação”, explicou Moura. É possível conferir os boletins semanais do ranking aqui.

Quem também participou do webinar foi o diretor de Transparência e Controle Social da CGU, Otávio Neves. Ele afirmou que os relatórios acrescentados são críticas construtivas e bem-vindas para que o próprio poder público aprimore os mecanismos da LAI.

Neves compartilhou que um ponto preocupante é a média de pedidos de recursos às solicitações de pedidos via LAI — mecanismo ao qual o cidadão pode recorrer quando não concorda com a resposta enviada pela administração pública.

Enquanto a média de recursos observada pela CGU orbitava em torno de 8%, desde 27.mar.2020 esse número caiu para 5%. Ou seja, jornalistas e cidadãos têm questionado menos as respostas obtidas. O representante da CGU incentiva que apresentar o recurso é um direito e também uma forma de ajudar na própria melhora da aplicação da lei de acesso.

Ele também compartilhou que o principal trabalho da CGU tem sido garantir a qualidade das respostas enviadas pelos órgãos; e disse que, ao contrário do que pode-se esperar, a pasta mais demandada não tem sido o Ministério da Saúde, mais sim o da Cidadania — responsável pela gestão da renda básica emergencial de R$ 600.

Neves ainda avaliou que articular atores públicos e privados na divulgação de dados sobre saúde tem sido um desafio grande no momento. Afirmou, também, que apesar de o corpo técnico do ministério permanecer, as trocas de ministros da Saúde do último período dificultam o trabalho.

  • Para realizar pedidos de acesso à informação ao governo federal e conferir informações atualizadas da LAI, acesse lai.gov.br
  • Para conferir um panorama da implementação da lei pelo Executivo federal, acesse paineis.cgu.gov.br/lai
  • Para informações sobre gastos públicos relacionados ao combate à covid-19 e outras demandas públicas, acesse transparencia.gov.br

O webinar “LAI 8 anos: transparência em quarentena” foi promovido pelas seguintes organizações e redes: Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ARTIGO 19, Fórum de Acesso a Informações Públicas, Instituto Ethos, Open Knowledge Brasil, Rede pela Transparência e Participação Social (RETPS) e Transparência Brasil.