Organizações enviam carta aberta ao STF pelo fim da nota de R$ 200

Junto com o Instituto Não Aceito Corrupção, o Transparência Partidária, o Ministério Público Democrático e outras organizações, a TBrasil enviou no último 11.fev.2021 carta à ministra Cármen Lúcia pelo fim da nota de R$ 200. A urgência alegada pelo Banco Central para lançá-la não se confirmou, e a nota de valor alto facilita a corrupção, conforme apontam estudos sobre o tema.

A carta foi divulgada amplamente na imprensa.

CARTA ABERTA À MINISTRA CARMÉN LÚCIA

São Paulo, 11 de fevereiro de 2021

Excelentíssima Senhora Cármen Lúcia Antunes Rocha,
DD. Ministra do Supremo Tribunal Federal
Relatora da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 726

As entidades signatárias dirigem-se pública e respeitosamente a V. Exa. para reiterar apoio aos pedidos formulados na petição inicial da ação em epígrafe, sob vossa relatoria, e que aguarda decisão liminar desde 31 de agosto do ano passado.

Lamentavelmente, situação ainda mais preocupante configurou-se desde então. Se não, vejamos.

Na entrevista coletiva de lançamento da nova cédula, a diretoria do Banco Central afirmou que a quantidade de dinheiro em circulação estava “adequada para fazer frente às diferentes demandas da população” e que a medida era apenas de uma “atuação preventiva” contra uma possível falta de numerário, em razão do aumento do entesouramento de papel moeda decorrente da pandemia.

Ao prestar esclarecimentos a V. Exa. no âmbito da referida ação, contudo, a autarquia passou a sustentar que a emissão da nota de R$ 200 configurava necessidade urgente, sem a qual haveria grave risco para “o atendimento das necessidades de numerário para garantir o funcionamento adequado da economia e do sistema financeiro nacional”, uma vez que o aumento do entesouramento teria tornado inviável o pagamento do auxílio emergencial sem a nova cédula (item 66 do Parecer Jurídico 540/2020-BCB/PGBC).

Ocorre, porém, que o benefício no valor de R$ 600 foi pago normalmente entre abril e agosto, e a nota de R$ 200 só começou a circular em setembro, depois que o auxílio emergencial já tinha sido reduzido para R$ 300.

Desde então, só 12% das cédulas que o próprio Banco Central afirmou que teria de emitir em 2020 foram postas em circulação. Ou seja, a autoridade monetária afirmou que sem a emissão de 450 milhões de novas notas em 2020, o que somaria R$ 90 bilhões, haveria grave risco de faltar numerário para pagar o auxílio emergencial. Pois bem. A última parcela do auxílio foi paga no mês passado e só 53 milhões dessas cédulas tinham entrado em circulação até 31 de dezembro.

Mesmo assim, o Banco Central afirmou recentemente que “o ritmo de utilização da cédula de R$ 200 vem evoluindo em linha com o esperado, e deverá seguir com novas emissões ao longo dos próximos exercícios”. Essa posição mais uma vez destoa das justificativas apresentadas a V. Exa., quando a autarquia afirmou que (…) “eventuais novas aquisições de cédulas de duzentos reais de 2021 em diante deverão refletir a avaliação e a reavaliação do Banco Central para cada exercício sobre essa relação de equilíbrio entre os custos e riscos, operacionais e financeiros, associados ao processo de contratação e os benefícios estimados” (item 38 do Parecer Jurídico 540/2020-BCB/PGBC).

Ora, com o provável fim do auxílio emergencial, o início da vacinação, a diminuição das incertezas sobre a atividade econômica e o rápido crescimento das transações digitais, acelerado inclusive pela pandemia e pelo lançamento do Pix em novembro, há clara tendência de queda na demanda por papel-moeda.

Entende-se, portanto, que o Banco Central deveria rever os supostos benefícios de seguir expandindo a base monetária com notas de R$ 200 diante do impacto negativo que isso certamente provocaria para os esforços de combate à corrupção e ao crime organizado. Nesse sentido, vale lembrar novamente a decisão do Banco Central Europeu que interrompeu a produção de notas de 500 euros em 2018 por recomendação do Organismo Europeu de Luta Antifraude, depois que um levantamento do governo do Reino Unido estimou que 90% das cédulas de 500 euros emitidas no país estavam nas mãos do crime organizado. Ou o estudo do economista americano Kenneth Rogoff, que mostrou que embora as notas de US$ 100 concentrem quase 80% do valor total dos dólares em circulação no mundo, a maior parte delas é usada em transações ilegais.

Também vale reiterar que, se por um lado a expansão da base monetária com notas de valor mais alto pode facilitar a logística de distribuição de valores entre instituições financeiras, por outro também é certo aumenta a atratividade para quadrilhas especializadas em roubos a caixas eletrônicos e transportadoras de valores, o que é especialmente preocupante quando se verificam cada vez mais frequentes e aterrorizantes casos de roubo a bancos.

Sabe-se que as melhores práticas internacionais recomendam a restrição ao uso de cédulas de alto valor em razão da forte preferência do crime organizado pelas notas maiores, uma vez que favorecem o transporte e a ocultação de montantes mais altos, beneficiando indivíduos e organizações criminosas que movimentam dinheiro vivo, obtido em atividades como corrupção, tráfico de drogas, de armas, evasão de divisas e contrabando, cujas transações que são feitas fora do sistema bancário, preferencialmente com esses bilhetes.

Por essas razões, representantes das entidades subscritoras reuniram-se com a diretoria do Banco Central em meados de 2019 para pleitear o encerramento da produção e a gradual retirada de circulação das notas de R$ 100. No entanto, pouco mais de um ano após afirmar que compartilhava dessa preocupação e que estudava tal possibilidade, o banco agiu em sentido contrário: criou a nota de R$ 200 e ainda impôs sigilo sobre documentos que teriam embasado a decisão.

Diante desse cenário, pede-se vênia para sugerir que V. Exa. manifeste-se prontamente para vedar a impressão de novos lotes da nota de R$ 200 ou então fixar uma data limite para sua validade, que até pode estar vinculada à normalização do entesouramento ou mesmo à expectativa de vida útil da nova cédula.

Ao despedirem-se, as entidades signatárias manifestam profunda estima e consideração.

Assinam:

Instituto Não Aceito Corrupção

Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União

Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil

Associação Nacional do Ministério Público de Contas

Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado

Ministério Público Democrático

Transparência Brasil

Transparência Partidária