Carta aberta conjunta de organizações em oposição ao PL nº 5.029/2019 (antigo PL nº 11.021-B/2018)

Brasília, 11 de setembro de 2019.

 

A Sua Excelência o Senhor
DAVID SAMUEL ALCOLUMBRE TOBELEM
Presidente do Senado Federal
Praça dos Três Poderes – CEP 70165-900
Brasília/DF

 

Excelentíssimo Senhor Presidente,

Com imensa decepção e preocupação extrema, as entidades signatárias tomaram conhecimento da aprovação pela Câmara dos Deputados no último dia 04 de setembro do Projeto de Lei (PL) 11.021-B/2018, que implica profundas alterações no sistema partidário brasileiro e no regramento de nossas eleições.

Entre outros graves retrocessos, a proposta compromete severamente a transparência das contas partidárias e a eficiência dos respectivos processos de fiscalização. Financiado fundamentalmente com recursos públicos, o sistema partidário brasileiro ainda é pouco transparente, mas a implementação do Sistema de Prestação de Contas Anuais (SPCA) pela Justiça Eleitoral, em 2017, representou o primeiro passo em termos de aprimoramento da transparência pública e da eficiência nos processos de auditoria das contas dos partidos. O PL 11.021-B/2018 retrocede nesse esforço ao permitir a utilização de qualquer sistema de gestão contábil para prestação das contas partidárias ao órgão de controle. [1] Esse conjunto de informações deixará, portanto, de ser padronizado, o que dificultará sobremaneira o controle social das contas dos partidos e o processo de análise e julgamento desses balanços pela Justiça Eleitoral.

Extremamente reprovável também é a determinação de que multas por desaprovação de contas partidárias apenas sejam aplicadas caso se comprove conduta dolosa. [2] Ademais de introduzir elemento de dificílima verificação em atividades de contabilidade, que demandará complexas diligências para produção de prova, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados pode significar verdadeira anistia a todas as prestações de contas ainda pendentes de julgamento, dado que a exigência de comprovação de conduta dolosa seria aplicável a todos os processos de prestação de contas partidárias que não tenham transitado em julgado em todas as instâncias. [3]

É ainda estarrecedor o que se prevê quanto à impossibilidade de cominação de qualquer sanção ao partido ou candidato que insira dados incorretos nos sistemas de informação e publicação de contas de campanhas. [4] Essa previsão pode, na prática, revelar-se verdadeira autorização para lançamento de dados falsos sobre contas de campanha no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE) e no DivulgaCand, ferramentas eletrônicas da Justiça Eleitoral para divulgação das contas dos candidatos durante as campanhas, que se demonstraram fundamentais nas últimas eleições para detecção tempestiva pela imprensa das assim chamadas “candidaturas laranja”.

Ademais, provoca apreensão a possibilidade de que despesas com ações judiciais de controle de constitucionalidade possam ser custeadas pelo Fundo Partidário, estimulando a judicialização da política com recursos públicos. [5]

Causa também profunda repulsa a autorização para pagamento de honorários advocatícios para defesa de políticos acusados de corrupção e para patrocínio de processos de “interesse indireto” do partido com recursos públicos. [6] O custeio de despesas dessa natureza pelo cidadão ofende as intensas e insistentes demandas da sociedade brasileira por mais rigor no emprego do dinheiro público e por mais ética na política.

Nesse sentido, é igualmente inquietante e nocivo que despesas com contadores e advogados para defesa de candidatos e partidos sejam excluídas da contabilidade partidária e do limite de gastos nominal das campanhas políticas. [7] Ao lado da permissão para que pessoas físicas possam arcar com despesas de campanha com advogados e contadores sem qualquer limitação de valor [8], essa previsão abre ampla margem para práticas de caixa-dois e lavagem de dinheiro.

A promoção da integridade do sistema partidário brasileiro fica ainda comprometida por outras medidas previstas no PL 11.021-B/2018, como a diminuição da autonomia dos técnicos responsáveis pela análise das contas partidárias [9]; a exclusão das contas bancárias dos partidos das políticas de controle de pessoas politicamente expostas [10]; a possibilidade de transferência de recursos do Fundo Partidário para instituto privado inalcançado à princípio pelos órgãos de controle [11]; e a permissão para pagamento de passagem aérea com recurso do Fundo Partidário para qualquer pessoa, inclusive não filiados. [12]

É, portanto, com pesar e frustração que se verifica que o PL 11.021-B/2018 segue a mesma lógica de atomização de responsabilidades, diminuição de obrigações e suavização de penalidades que dá a tônica das alterações realizadas na legislação partidária das últimas duas décadas.

Nesse sentido, a proposta retira encargos dos partidos ao mesmo tempo em que adiciona competências à já sobrecarregada Justiça Eleitoral, que passa a ser responsável pela gestão dos dados de filiados [13]; fica impedida de solicitar aos partidos documentos públicos ou emitidos por entidade bancária [14]; e obrigada a notificar a instância superior para aplicar penalidade ao diretório municipal ou estadual. [15] Na mesma trilha, o texto flexibiliza ainda mais o pagamento das multas aplicadas aos partidos, ao limitar os descontos que a Justiça Eleitoral pode fazer nos repasses do Fundo Partidário a no máximo 50% do valor devido, diminuindo sua capacidade de promover o esmero na gestão dos recursos públicos transferidos aos partidos e inibir a reiteração de condutas irregulares. [16]

Em suma, Sr. Presidente, a indecorosa proposta representa um dos maiores retrocessos dos últimos anos para transparência e integridade do sistema partidário brasileiro.

E neste passo, é relevante sublinhar que o texto aprovado pela Câmara dos Deputados deriva de Subemenda Substitutiva Global, de autoria do deputado Wilson Santiago (PTB/PB), e que veio à tona apenas poucas horas antes de ser definitivamente aprovado, do que se conclui que não ocorreram quaisquer análises ou debates mais aprofundados.

Alterações dessa natureza, Sr. Presidente, são especialmente sensíveis porquanto interessam diretamente aos detentores de mandatos parlamentares e, por isso, devem implicar mais participação social nos respectivos processos legislativos.

Certas de seu inarredável compromisso com os imperativos democráticos de transparência e integridade, as entidades signatárias decidem tornar pública a presente correspondência para denunciar a ameaça que representam os graves retrocessos elencados e requerem que Vossa Excelência abstenha-se de encaminha-los à apreciação do Senado Federal sem a instituição dos fóruns e procedimentos adequados para superação dessas inaceitáveis deturpações aprovadas pela Câmara dos Deputados.

Excelentíssimo Presidente Senador David Alcolumbre, o resgate da legitimação social dos partidos é requisito fundamental não só para o pleno exercício da cidadania, mas também para a resolução de nossos dilemas e iniquidades e para o aprofundamento da democracia no Brasil. Alcançar os objetivos da Constituição — construir uma sociedade livre e solidária, reduzir as desigualdades e eliminar todas as formas de discriminação — será muito mais lento e custoso sem partidos políticos transparentes, coerentes, íntegros e democráticos.

Nesta oportunidade, renovam-se protestos de estima e consideração.

Respeitosamente,

 

TRANSPARÊNCIA PARTIDÁRIA

 ASSOCIAÇÃO CONTAS ABERTAS

 TRANSPARÊNCIA BRASIL

 UNIDOS CONTRA A CORRUPÇÃO

 INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO

 INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL

 INSTITUTO OBSERVATÓRIO POLÍTICO E SOCIOAMBIENTAL

 INSTITUTO CIDADE DEMOCRÁTICA

 ARTIGO 19

 RENOVA BR

 MOVIMENTO ACREDITO

 MOVIMENTO LIVRES

 MOVIMENTO AGORA

OBSERVATÓRIO SOCIAL DE BRASÍLIA

 OBSERVATÓRIO SOCIAL DE BELÉM

 INSTITUTO SOMA BRASIL

 INSTITUTO NOSSA ILHÉUS

 ASSOCIAÇÃO AMIGOS DE ANALÂNDIA – SÃO PAULO

 MOVIMENTO POPULAR DESPERTA IBIAPINA – CEARÁ

 SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE IBIAPINA– CEARÁ

 MOVIMENTO COMITÊ 9840 – ÁGUAS DA PRATA

 ASSOCIAÇÃO DIAMANTINA VIVA – ADIV MG

Referências:

[1] Art. 30 da Lei 9.096/95.
[2] §16 do Art. 37 da Lei 9.096/95.
[3] Art. 6º do PL 11.021-B/2018.
[4] §2º do Art. 30 da Lei 9.504/97.
[5] Idem.
[6] Inciso VII do Art. 44 da Lei 9.096/95.
[7] Parágrafo Único do Art. 18-A da Lei 9.504/97.
[8] §10 do Art. 23 da Lei 9.504/97.
[9] §5º do Art. 34 da Lei 9.504/97.
[10] §7º do Art. 39 da Lei 9.096/95.
[11] Inciso V do Art. 44 da Lei 9.096/95.
[12] §10 do Art. 37 da Lei 9.096/95.
[13] Art. 19, caput, e §4º da Lei 9.096/95.
[14] §6º do Art. 34 da Lei 9.096/95.
[15] §3º-A do Art. 37 da Lei 9.096/95.
[16] §3º do Art. 37 da Lei 9.096/95.