A Transparência Brasil analisou os contracheques de 11,7 mil promotores e procuradores de 25 unidades do Ministério Público (MP), estaduais e da União, e verificou que 98% desses agentes públicos receberam salário bruto acima do teto constitucional em 2024. Os pagamentos extrapolam o subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal (R$ 44 mil mensais), mesmo sem considerar gratificação natalina, terço de férias e retroativos.
O levantamento aponta que os membros do MP receberam ao menos R$ 2,3 bilhões em valores extrateto no ano passado. Em 24 das 25 unidades analisadas, a remuneração média mensal superou o limite constitucional. No Rio de Janeiro, onde o salário bruto médio atingiu R$ 76,2 mil, um em cada seis membros ganhou mais de R$ 500 mil acima do teto ao longo de 2024.
Para a diretora-executiva da TB, Juliana Sakai, o cenário revelado pelo estudo é “inaceitável”. “É extremamente grave que um órgão cujo papel é a defesa da ordem jurídica, proteção do patrimônio público e combate à corrupção institucionalize privilégios indevidos e afronte a moralidade e a racionalidade no uso de recursos públicos”, afirma.
Os chamados ‘penduricalhos’ de acúmulo de serviço, como gratificações por exercício cumulativo e licença compensatória, são os maiores benefícios pagos pelos MPs em 2024: somaram R$ 687 milhões. Em segundo lugar, entre os valores considerados no estudo para calcular o pagamento acima do teto, está a indenização de férias (R$ 301 milhões).
“É fundamental que o Congresso aprove uma lei impondo um combate efetivo aos supersalários”, diz Sakai. Para ela, a proposta apresentada pelo Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa na última semana traz pontos positivos nesse aspecto: “a proibição da criação de benefícios sem análise pelo Legislativo ajudaria a reduzir a proliferação de penduricalhos”, exemplifica.
Falta de transparência
A análise revela também a opacidade nas folhas de pagamento: R$ 1,4 bilhão (31% das verbas extras) têm rubricas indefinidas, o que impede identificar a natureza dos benefícios. Entre os pagamentos classificados como opacos estão as “indenizações” (R$ 242 milhões), “outras verbas remuneratórias legais ou judiciais” (R$ 187 milhões), “indenização por licença não gozada” (R$ 161 milhões), “outras verbas indenizatórias” (R$ 58 milhões) e “conversões em pecúnia” (R$ 31 milhões).
A análise não considerou as unidades estaduais de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul, que ocultam a divulgação de nomes e matrículas do contracheque dos membros, impedindo a individualização de vencimentos. As unidades do Pará, Roraima e Tocantins também não foram consideradas porque não publicaram dados completos de todos os meses de 2024 quando a coleta de informações foi realizada, em abr.2025.
O estudo não contabilizou o terço constitucional de férias e a gratificação natalina para aferição do salário bruto, por serem benefícios também usufruídos por trabalhadores formalizados. As unidades do MP informam os retroativos – penduricalhos de considerados devidos e não pagos em exercícios anteriores – em planilhas apartadas dos contracheques, o que dificulta a coleta de informações, por isso não foram considerados no levantamento.