É complexo construir uma escola pública: envolve o seu planejamento enquanto parte de uma política pública, a viabilidade do projeto, o processo licitatório, a execução da obra e a fiscalização sobre o andamento de todas as etapas. Desde 2007, o governo federal destina assistência técnica e financeira aos municípios para construção, reforma e aquisição de equipamentos em creches e pré-escolas públicas em todo o país através do programa Proinfância.
A Transparência Brasil acompanhou o programa entre 2016 e 2019 por meio dos projetos Tá de Pé Obras e Obra Transparente. O diagnóstico da TB em 2017, após dez anos de Proinfância e de mais de R$ 10 bilhões de recursos enviados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), foi de que 46% das quase 9 mil obras financiadas estavam paralisadas ou atrasadas.

Os dados refletem o fato de que o monitoramento do FNDE se mostrou incapaz de evitar problemas na execução e entrega das obras. Os órgãos responsáveis não eram cobrados a prestar contas sobre o que estavam fazendo para garantir a entrega das escolas, e as informações sobre as obras na plataforma SIMEC ficavam desatualizadas.
Com o Tá de Pé, a TB buscou preencher, por meio de uma tecnologia cívica, a enorme lacuna deixada pelo FNDE em fiscalizar a execução das obras para as quais destinou recursos. A iniciativa consistia em um aplicativo, lançado em 2017, que permitia a qualquer cidadão monitorar o andamento das construções escolares financiadas pelo governo federal em todo o Brasil.
Por meio dele, o cidadão tinha acesso a uma lista de obras de creches e escolas nas proximidades. Podia, então, ir até o local e ver as condições de execução, tirar fotos e enviar informações, de forma anônima, à equipe da TB. Com as imagens, a organização e especialistas parceiros determinavam se havia indícios de atraso na obra. Nestes casos, a TB enviava uma comunicação à prefeitura responsável cobrando por explicações e alertava os vereadores da cidade, o FNDE e, posteriormente, a Controladoria-Geral da União – órgão parceiro do projeto.
O aplicativo do Tá de Pé foi baixado 10.733 vezes e 347 alertas foram enviados até o fim de jul.2019. Os resultados da avaliação de impacto do projeto mostraram que obras monitoradas pelos cidadãos tinham 7% mais chance de ser concluídas, quando comparadas a obras fora do aplicativo.
Apesar dos números expressivos, a necessidade de monitoramento contínuo de uma obra para causar efeito sobre seu andamento e conclusão é um dos fatores que limitou o sucesso do Tá de Pé. Segundo Manoel Galdino, diretor-executivo da TB à época em que a iniciativa funcionou, é mais custoso para o cidadão acompanhar a execução da construção e cobrar o órgão executor de maneira sistemática.
Outra razão foi a dificuldade de mobilização da população, pois as obras paralisadas ou atrasadas identificadas estavam localizadas em periferias de grandes cidades, zonas rurais e cidades muito interioranas. Em geral, esses locais não têm uma boa estrutura social, barreiras para a visita desses locais de construção, que podiam ser muito distantes.
Para o ex-diretor da TB, o aplicativo gerou impacto e traria mais resultado se o Tá de Pé tivesse atingido mais cidadãos. “Era um público difícil de alcançar e foi um verdadeiro desafio para o estilo de comunicação da TB. Tentamos muitas alternativas e fizemos um aplicativo leve, mas o gargalo principal foi que não sabíamos como atingir essas pessoas, convencê-las de que o tempo e esforço dedicado traria algum resultado para elas mesmas”, afirma.
Uma das alternativas foi transformar o aplicativo em um chatbot no WhatsApp, em 2021. Nele, o cidadão informava seu município e recebia uma lista de obras escolares paralisadas encontradas nas proximidades. O usuário podia, então, fornecer fotos e informações sobre a construção. Já a ideia de utilizar um perfil no Twitter (X) para o qual podiam ser enviadas imagens de obras veio de uma das três hackathons realizadas pela TB no âmbito do Tá de Pé.
Tão fundamentais e de excelência são as iniciativas da Transparência Brasil, que a Força-Tarefa Cidadã Obras, do Tribunal de Contas da União em parceria com o Observatório Social do Brasil, combina as metodologias do Tá de Pé e Obra Transparente ao capacitar voluntários em todo o país na identificação de problemas em obras escolares e registro das informações no aplicativo União Cidadã.
Ponto de inflexão e expansão
A criação do projeto foi uma aposta da ex-diretora-executiva Natália Paiva em mudar o foco do trabalho da Transparência Brasil do controle social sobre agentes políticos para grandes políticas públicas estruturantes, como Educação e Saúde.
A difícil transição e a grande responsabilidade ficaram com Galdino, diretor que a sucedeu em 2016. Ele qualifica a mudança como necessária: “se a gente não mudasse o tipo de intervenção que fazíamos, não conseguiríamos mais financiamento. Ou a gente mudava ou a gente morria”.
Para Galdino, apesar do desafio, a mudança sedimentou o ponto forte da TB: o aprofundamento técnico. Ele afirma que, com o Tá de Pé, a organização aprendeu muito sobre o funcionamento das políticas públicas, onde estão os problemas e as soluções, e o estudo e diálogo com os agentes que conhecem gargalos e legislações – saberes necessários para a TB se debruçar sobre qualquer política pública.
“A fortaleza da TB está em sua credibilidade pelo rigor e conhecimento fundamentado, sem partidarismo. E nós sabemos o que é necessário ser modificado para se ter uma política pública melhor”, afirma o ex-diretor.
Foi nesse sentido que o Tá de Pé expandiu para outras duas versões, o Tá de Pé Merenda, realizado em parceria com o Observatório Social do Brasil, e o Tá de Pé Compras Emergenciais. Lançados em 2020, ambos consistiam em plataformas de comparação de preços de itens de contratações: o primeiro relativo à merenda escolar em diferentes municípios e o segundo, a contratos emergenciais para enfrentamento da pandemia de Covid-19.
O formato e as políticas públicas alvo eram diferentes, mas o objetivo das duas ferramentas permaneceu o mesmo do Tá de Pé original: oferecer à sociedade civil um meio de monitoramento. Ao invés de um aplicativo, as novas versões forneciam dados estruturados por algoritmos para comparar contratações públicas e identificar indícios de irregularidades. Assim, era possível identificar quanto uma cidade pagava em relação à mediana paga por produtos similares em outros municípios, se gestores estavam economizando ou não, e se as compras envolviam riscos (como fornecedores recém-criados, ou que não trabalhavam com os itens adquiridos).
Já o chatbot Rango no Facebook, também lançado em 2020, funcionava de maneira semelhante ao chatbot no WhatsApp do Tá de Pé, mas coletando informações de estudantes, pais, responsáveis e funcionários da rede pública de educação sobre problemas no fornecimento e na qualidade da merenda escolar.
Manoel Galdino recorda que essas iniciativas foram pensadas a partir dos desafios de mobilizar a população no uso de uma tecnologia cívica com o Tá de Pé. Para ele, é preciso pensar como aproveitar o fervor de novas tecnologias e escolher quais têm chances efetivas de dar certo, causar impacto e gerar resultado.
O propósito de se debruçar sobre contratações públicas e criar uma ferramenta de comparação de preços também permanece na metodologia da TB, com o Medicamentos Transparentes e a Cesta de Preços de Medicamentos. O projeto busca aprimorar o Portal Nacional de Contratações Públicas e aumentar a eficiência das compras de medicamentos.