A cobrança move a obra: aplicativo Tá de Pé possibilitou ao cidadão fiscalizar obras escolares financiadas pelo governo federal

Transparência Brasil lançou a iniciativa de tecnologia cívica em 2016 com o objetivo de melhorar a política de infraestrutura da Educação. Esta é a quinta de uma série de reportagens sobre os 25 anos da organização
10/10/2025
Nathália Mendes
Orçamento público Educação pública Tecnologia e inteligência artificial

É complexo construir uma escola pública: envolve o seu planejamento enquanto parte de uma política pública, a viabilidade do projeto, o processo licitatório, a execução da obra e a fiscalização sobre o andamento de todas as etapas. Desde 2007, o governo federal destina assistência técnica e financeira aos municípios para construção, reforma e aquisição de equipamentos em creches e pré-escolas públicas em todo o país através do programa Proinfância.

A Transparência Brasil acompanhou o programa entre 2016 e 2019 por meio dos projetos Tá de Pé Obras e Obra Transparente. O diagnóstico da TB em 2017, após dez anos de Proinfância e de mais de R$ 10 bilhões de recursos enviados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), foi de que 46% das quase 9 mil obras financiadas estavam paralisadas ou atrasadas.

Placa de obra de escola municipal na cidade de Passo de Camaragibe (AL) recebida pelo projeto Tá de Pé da Transparência Brasil em 2018. Foto: Reprodução.

Os dados refletem o fato de que o monitoramento do FNDE se mostrou incapaz de evitar problemas na execução e entrega das obras. Os órgãos responsáveis não eram cobrados a prestar contas sobre o que estavam fazendo para garantir a entrega das escolas, e as informações sobre as obras na plataforma SIMEC ficavam desatualizadas.

Com o Tá de Pé, a TB buscou preencher, por meio de uma tecnologia cívica, a enorme lacuna deixada pelo FNDE em fiscalizar a execução das obras para as quais destinou recursos. A iniciativa consistia em um aplicativo, lançado em 2017, que permitia a qualquer cidadão monitorar o andamento das construções escolares financiadas pelo governo federal em todo o Brasil.

Por meio dele, o cidadão tinha acesso a uma lista de obras de creches e escolas nas proximidades. Podia, então, ir até o local e ver as condições de execução, tirar fotos e enviar informações, de forma anônima, à equipe da TB. Com as imagens, a organização e especialistas parceiros determinavam se havia indícios de atraso na obra. Nestes casos, a TB enviava uma comunicação à prefeitura responsável cobrando por explicações e alertava os vereadores da cidade, o FNDE e, posteriormente, a Controladoria-Geral da União – órgão parceiro do projeto. 

O aplicativo do Tá de Pé foi baixado 10.733 vezes e 347 alertas foram enviados até o fim de jul.2019. Os resultados da avaliação de impacto do projeto mostraram que obras monitoradas pelos cidadãos tinham 7% mais chance de ser concluídas, quando comparadas a obras fora do aplicativo.

Apesar dos números expressivos, a necessidade de monitoramento contínuo de uma obra para causar efeito sobre seu andamento e conclusão é um dos fatores que limitou o sucesso do Tá de Pé. Segundo Manoel Galdino, diretor-executivo da TB à época em que a iniciativa funcionou, é mais custoso para o cidadão acompanhar a execução da construção e cobrar o órgão executor de maneira sistemática. 

Outra razão foi a dificuldade de mobilização da população, pois as obras paralisadas ou atrasadas identificadas estavam localizadas em periferias de grandes cidades, zonas rurais e cidades muito interioranas. Em geral, esses locais não têm uma boa estrutura social, barreiras para a visita desses locais de construção, que podiam ser muito distantes.

Para o ex-diretor da TB, o aplicativo gerou impacto e traria mais resultado se o Tá de Pé tivesse atingido mais cidadãos. “Era um público difícil de alcançar e foi um verdadeiro desafio para o estilo de comunicação da TB. Tentamos muitas alternativas e fizemos um aplicativo leve, mas o gargalo principal foi que não sabíamos como atingir essas pessoas, convencê-las de que o tempo e esforço dedicado traria algum resultado para elas mesmas”, afirma.

Uma das alternativas foi transformar o aplicativo em um chatbot no WhatsApp, em 2021. Nele, o cidadão informava seu município e recebia uma lista de obras escolares paralisadas encontradas nas proximidades. O usuário podia, então, fornecer fotos e informações sobre a construção. Já a ideia de utilizar um perfil no Twitter (X) para o qual podiam ser enviadas imagens de obras veio de uma das três hackathons realizadas pela TB no âmbito do Tá de Pé.

Tão fundamentais e de excelência são as iniciativas da Transparência Brasil, que a Força-Tarefa Cidadã Obras, do Tribunal de Contas da União em parceria com o Observatório Social do Brasil, combina as metodologias do Tá de Pé e Obra Transparente ao capacitar voluntários em todo o país na identificação de problemas em obras escolares e registro das informações no aplicativo União Cidadã.

Ponto de inflexão e expansão

A criação do projeto foi uma aposta da ex-diretora-executiva Natália Paiva em mudar o foco do trabalho da Transparência Brasil do controle social sobre agentes políticos para grandes políticas públicas estruturantes, como Educação e Saúde. 

A difícil transição e a grande responsabilidade ficaram com Galdino, diretor que a sucedeu em 2016. Ele qualifica a mudança como necessária: “se a gente não mudasse o tipo de intervenção que fazíamos, não conseguiríamos mais financiamento. Ou a gente mudava ou a gente morria”. 

Para Galdino, apesar do desafio, a mudança sedimentou o ponto forte da TB: o aprofundamento técnico. Ele afirma que, com o Tá de Pé, a organização aprendeu muito sobre o funcionamento das políticas públicas, onde estão os problemas e as soluções, e o estudo e diálogo com os agentes que conhecem gargalos e legislações – saberes necessários para a TB se debruçar sobre qualquer política pública. 

“A fortaleza da TB está em sua credibilidade pelo rigor e conhecimento fundamentado, sem partidarismo. E nós sabemos o que é necessário ser modificado para se ter uma política pública melhor”, afirma o ex-diretor.

Foi nesse sentido que o Tá de Pé expandiu para outras duas versões, o Tá de Pé Merenda, realizado em parceria com o Observatório Social do Brasil, e o Tá de Pé Compras Emergenciais. Lançados em 2020, ambos consistiam em plataformas de comparação de preços de itens de contratações: o primeiro relativo à merenda escolar em diferentes municípios e o segundo, a contratos emergenciais para enfrentamento da pandemia de Covid-19.

O formato e as políticas públicas alvo eram diferentes, mas o objetivo das duas ferramentas permaneceu o mesmo do Tá de Pé original: oferecer à sociedade civil um meio de monitoramento. Ao invés de um aplicativo, as novas versões forneciam dados estruturados por algoritmos para comparar contratações públicas e identificar indícios de irregularidades. Assim, era possível identificar quanto uma cidade pagava em relação à mediana paga por produtos similares em outros municípios, se gestores estavam economizando ou não, e se as compras envolviam riscos (como fornecedores recém-criados, ou que não trabalhavam com os itens adquiridos).

Já o chatbot Rango no Facebook, também lançado em 2020, funcionava de maneira semelhante ao chatbot no WhatsApp do Tá de Pé, mas coletando informações de estudantes, pais, responsáveis e funcionários da rede pública de educação sobre problemas no fornecimento e na qualidade da merenda escolar.

Manoel Galdino recorda que essas iniciativas foram pensadas a partir dos desafios de mobilizar a população no uso de uma tecnologia cívica com o Tá de Pé. Para ele, é preciso pensar como aproveitar o fervor de novas tecnologias e escolher quais têm chances efetivas de dar certo, causar impacto e gerar resultado. 

O propósito de se debruçar sobre contratações públicas e criar uma ferramenta de comparação de preços também permanece na metodologia da TB, com o Medicamentos Transparentes e a Cesta de Preços de Medicamentos. O projeto busca aprimorar o Portal Nacional de Contratações Públicas e aumentar a eficiência das compras de medicamentos.

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