Emendas de bancada “paralelas”, sem rastreabilidade, somaram R$ 9,4 bilhões de 2020 a 2025

Emendas de bancada não impositivas são identificadas com RP 2, misturando-as a despesas do governo federal sem vinculação com emendas
24/09/2025
Marina Atoji
Transparência Orçamento público

Em levantamento inédito, a Transparência Brasil identificou que, de 2020 a 2025, o Congresso inseriu R$ 9,4 bilhões em emendas de bancada “paralelas” no orçamento da União. Não é possível detalhar como foram gastos 61% desses recursos, nem saber quem foram os parlamentares que os sugeriram e os indicaram.

São emendas não impositivas (ao contrário das emendas de bancada tradicionais, que o governo é obrigado a executar) marcadas com o código RP 2 e RP 3, referentes a gastos não obrigatórios do governo federal que não envolvem emendas parlamentares e a despesas ligadas ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Ou seja, seguem a mesma lógica das emendas “paralelas” de comissão reveladas pela TB em junho: quando são executadas, misturam-se às demais despesas e não são mais associadas aos parlamentares.

Só se pode verificar para onde foram direcionados R$ 3,7 bilhões em emendas de bancada “paralelas” porque o governo federal atribuiu um código interno (chamado Plano Orçamentário) a uma parcela dos recursos. Em 2024, dos R$ 3 bilhões em emendas “paralelas” de bancada, apenas R$ 599 milhões (20%) receberam esse código. Em 2025, nenhuma despesa é assim identificada, até o momento.

Conhecida como “estatal do Centrão”, a Codevasf teve o orçamento turbinado com R$ 408,3 milhões em emendas “paralelas” de bancada em 2024. Desse montante, R$ 313,7 milhões são rastreáveis.

Por meio de pedidos via Lei de Acesso a Informação (LAI), a Transparência Brasil obteve evidências de que as bancadas repartiram os recursos entre os parlamentares. Eles escolheram os beneficiários mediante ofícios encaminhados diretamente à autoridade máxima do órgão responsável pelo gasto.

No caso da Codevasf, deputados e senadores se dirigiram diretamente ao presidente da estatal e utilizaram expressões como “minha cota” e “portador do crédito”, indicando inclusive o contato de associações comunitárias que devem receber bens de alto custo adquiridos pela estatal, como retroescavadeiras.

Reprodução do ofício nº 0216/2024 – GSVENEZI, apresentado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), ao presidente da Codevasf em 21.ago.2024, em que ele indica o destino de R$ 1,6 milhão de reais de “sua cota” de recursos RP 2 provenientes das emendas de bancada.
Reprodução do ofício 27/2024, apresentado pelo deputado Eduardo Bismarck (PDT) ao presidente da Codevasf em 29.mai.2024, em que ele direciona a cota de recursos de integrantes da bancada cearense.

Drible a determinações do STF

Em uma série de decisões publicadas em agosto de 2024 e referendadas pela Corte, o ministro do STF Flávio Dino suspendeu a execução das transferências especiais (emendas Pix), emendas de comissão (RP 8), restos a pagar de emendas do relator-geral do orçamento (RP 9) e as emendas impositivas de bancada (RP 7) e individuais (RP 6). Em dezembro, a liberação foi condicionada a critérios mínimos de rastreabilidade e transparência. Nenhuma dessas decisões tratou especificamente das emendas de bancada não impositivas, que passaram incólumes da suspensão.

Entre 15.ago.2024 (dia posterior ao bloqueio das emendas impositivas de bancada pelo ministro Flávio Dino) e 2.dez.2024 (data em que o STF as liberou), foram empenhados ao menos R$ 79,1 milhões em emendas de bancada “paralelas”. Esse montante considera apenas as emendas com Plano Orçamentário associado, que representam 20% do total inserido nessa modalidade de emenda na LOA.

Transferência do modus operandi para emendas de comissão

Após a aprovação da Lei Complementar 210/2024, que proíbe a divisão de emendas de bancada para atender a demandas individuais de seus membros, o montante destinado a emendas de bancada “paralelas” diminuiu para um quinto do aprovado em 2024. 

Ao mesmo tempo, as emendas “paralelas” de comissão foram inseridas massivamente pela primeira vez em 2025, totalizando R$ 8,5 bilhões. A LC 210 não proíbe expressamente a repartição de emendas de comissão para atender a pedidos individuais.

Em manifestações ao STF, tanto governo quanto Congresso negam a existência e a ilegalidade das emendas “paralelas” de comissão. Dizem tratar-se de alterações legítimas propostas pelos congressistas a despesas de responsabilidade do Executivo. Entretanto, das 418 emendas “paralelas” de comissão apresentadas, 382 (91%) criam despesas, e não apenas remanejam recursos.

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