Programa da TB impulsionou a criação de movimento para aumentar a presença de mulheres negras na política institucional

Minas de Dados promoveu imersão de um mês com cinco mulheres negras em temas de governo aberto, dados públicos e transparência
11/12/2025
Nathália Mendes
Projetos: Minas de Dados
Tecnologia e inteligência artificial Dados públicos Reportagem

Um governo aberto consiste em haver espaço para que as decisões do poder público sejam construídas coletivamente, a partir de diferentes perspectivas da sociedade e de transparência sobre a gestão. Mas quem costuma participar das discussões? Os dados utilizados compreendem quais camadas da população?  Quais políticas resultam de um debate sem representatividade? 

Os questionamentos nortearam Natália Paiva, ex-diretora-executiva da Transparência Brasil, na criação do projeto Minas de Dados em 2018, em parceria com o data_labe e a Preta Lab. Financiada pela Organização dos Estados Americanos, a iniciativa consistiu em formar mulheres negras para ocupar esses espaços, utilizando tecnologias e dados abertos de forma a democratizar a discussão sobre as decisões e transparência dos governos. 

Para isso, o Minas de Dados ofereceu a cinco mulheres uma imersão de um mês em temas como a construção de narrativas com dados abertos e questões de participação cívica. Os encontros incluíram mentorias e atividades com mulheres negras especialistas, como a cientista Nina da Hora, e espaço para troca de experiências entre as participantes.

Do programa, nasceu o avanço: como produto final foi criado o Mulheres Negras Decidem (MND), inicialmente batizado de rede Umunna: Mulheres Negras Decidem, que produz dados sobre a política sob a lente de gênero, raça e classe para qualificar a agenda liderada por mulheres negras e fortalecer a democracia. 

Apresentação do produto final do programa Minas de Dados, a rede Umunna: Mulheres Negras Decidem, para bancada de convidadas em evento na Maré, Rio de Janeiro (RJ). Foto: Safira Moreira

O anúncio do movimento, feito durante o encerramento do Minas de Dados, em 14.mar.2018, coincidiu com a notícia do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Pedro Gomes. 

Segundo Tainah Pereira, coordenadora política do MND, foi um momento catalisador de “maturidade forçada” que trouxe preocupação com a segurança das articuladoras e reafirmou a missão por mais mulheres negras na política institucional. “A tarefa de ter mais de nós é necessária porque o enfrentamento às violências é mais fácil quando mais de nós estamos ali [na política institucional]. Naquele momento, ainda éramos muito menos do que hoje, e somos poucas”, diz. 

Ela explica que as co-fundadoras enxergaram, através do projeto da TB, a possibilidade de utilizar dados sobre o baixo acesso de mulheres negras a políticas de saúde, educação e emprego como forma de emancipar esse grupo e mobilizar o debate público. De lá para cá, o movimento se expandiu em uma rede capilarizada que hoje alcança 19 estados, 300 articuladoras e cuja agenda é construída coletivamente. 

“Ser uma articuladora política do Mulheres Negras Decidem não é um cargo, é uma identidade. O tamanho da tarefa que está colocada demanda muitas mulheres negras atuando em diferentes espaços para superarmos a nossa sub-representação em espaços de poder e decisão”, afirma.

Pereira destaca que o MND se preocupa com a incidência de mulheres negras no sistema político desde a sua concepção. Com a expansão do movimento, afirmou-se entre as articuladoras a função de construir, executar e avaliar as políticas públicas que impactam mulheres negras, para além de se entenderem como beneficiárias. 

A ex-diretora da TB Natália Paiva acredita que a organização contribuiu com a resolução do Mulheres Negras Decidem de se orientar pela ocupação de  espaços na política institucional e, pessoalmente, orgulha-se de o movimento ser resultado concreto do programa de formação do Minas de Dados. 

Para ela, o projeto racializou a discussão promovida pela TB sobre a responsividade das instituições e sua função de redução das desigualdades. Paiva considera que a ausência de mulheres negras nos espaços de decisão se sobrepõe aos grandes problemas de ineficiência e qualidade do gasto público, uma vez que o maior grupo demográfico brasileiro está sub-representado. 

O Minas de Dados simboliza a Transparência Brasil sob sua direção, embora tenha se concretizado depois de sua saída. Ela foi a primeira diretora-executiva após 15 anos do comando de Cláudio Weber Abramo, que passou a ser conselheiro da entidade em 2015. 

“Eu sou uma mulher negra que assume uma organização que não tinha essa perspectiva [de uma mulher negra] e, até onde eu sei, não tinha tido nenhuma pessoa negra compondo o seu quadro. Foi bastante disruptivo”, afirma.

Embora trabalhasse com dados do Poder Legislativo há mais de uma década, a TB não refletia sobre como a desigualdade estava desenhada nesses indicadores. Sob a gestão de Paiva, a organização passou a analisar os dados com marcadores de gênero e raça, e focou no uso de novas tecnologias e do espaço digital para a promoção da qualidade e eficiência dos poderes. 

“Acredito muito que quando a gente tem pessoas negras, mulheres em posições de liderança, não só temos um ganho do ponto de vista representativo, inspiracional, mas a própria qualidade do trabalho também é diferente”, declara Paiva.

A reflexão sobre quem analisa os dados públicos que orientam políticas, trazida por Diana Mendes, co-fundadora do Mulheres Negras Decidem, complementa a visão de Paiva. Em depoimento sobre sua participação no Minas de Dados, ela destaca que a ausência de pessoas negras nessas funções resulta em análises que desconsideram a intersecção racial.

A relevância do resultado obtido pelo Minas de Dados pode ser traduzido pelo momento do primeiro encontro das co-fundadoras com a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), primeira senadora negra do Brasil e ex-governadora do Rio de Janeiro. De acordo com a coordenadora do movimento, a deputada as recebeu em seu gabinete dizendo tê-las esperado por 30 anos. “Quer dizer: as mulheres negras que tiveram oportunidade de estudar e ter uma formação agora retornavam para transformar a realidade incidindo no sistema político”, descreve Pereira. 

Ela relata que persistem o desafio e o objetivo do MND em aumentar a presença de pessoas negras, especialmente de mulheres, não só em espaços de decisão como também em áreas de pesquisa e dados públicos. O movimento vem fortalecendo parcerias com outras instituições para qualificar seu trabalho de produção de dados, pois, segundo a coordenadora, isso está no ‘DNA’ do Mulheres Negras Decidem – uma semelhança com a organização que impulsionou sua criação e trabalha, há mais de 25 anos, guiada por dados públicos. 

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